Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 03.08.2019

https://www.dinheirovivo.pt/outras/servicos-minimos-danos-maximos/

Imaginemos o seguinte cenário: os motoristas de transporte de matérias perigosas cumprem a ameaça de greve no próximo dia 12. De imediato são acionados os serviços mínimos e estes, embora obrigatórios por Lei, não são cumpridos. Perante uma sociedade muito diferente daquela que existia em 1974, quando a Lei da Greve foi elaborada, as necessidades de combustíveis são muito maiores, os retalhistas não têm capacidade de armazenagem porque confiam num sistema de distribuição diário e, dois dias depois, o país para.

A grande distribuição alimentar, que funciona pelo mesmo diapasão, esgota rapidamente os seus stocks; os medicamentos não chegam às farmácias e hospitais; os hotéis ficam sem mantimentos; as viagens para e dentro do território nacional desaparecem, em pleno mês de agosto, em plena época alta do turismo.

Quatro dias depois, os turistas acumulam-se nos aeroportos na esperança de um avião com combustível que os leve daquele pesadelo para fora com a promessa de nunca mais voltarem. Portugal é notícia no mundo pelos piores motivos. A greve estraga as férias de muitos milhares e o sustento de muitos milhões.

Depois de uma das mais graves crises financeiras que Portugal conheceu, depois de termos hipotecado parte da nossa soberania, depois dos árduos sacrifícios realizados por todos para resgatarmos o país do marasmo, a economia nacional que tem no turismo um dos pilares fundamentais da sua recuperação, acaba de matar a sua galinha dos ovos de ouro.

No mínimo, tudo isto deve-nos fazer refletir. Não quero aqui colocar em causa o direito à greve, mas gostava de me centrar sobre a definição e o cumprimento dos serviços mínimos numa greve.

O Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas, de natureza inorgânica, representando cerca de 600 profissionais, mesmo depois de assinado o acordo coletivo há menos de um ano, decide romper o acordo e com estrondo lançar o país numa crise de repercussões económicas e reputacionais incalculáveis. Será um daqueles casos em que o poder de destruição sobre milhões será muito superior ao poder de representatividade de poucas centenas. E se nem cumprir os serviços mínimos, não há sanção que se lhe aplique. Será isto justo e proporcional? Duvido!

Perante uma Lei elaborada no calor de uma Revolução, numa sociedade que, felizmente, em nada se compara à que hoje vivemos e onde muitos temos viatura própria, poder de compra muitas vezes superior ao da altura, combustíveis, alimentos, medicamentos, etc., são necessidades básicas sem as quais não passamos – muito diferente da realidade de 74 –, semelhante greve, assim exercida, tem um impacto nefasto muito desproporcional aos direitos que a sustentam, por legítimos que sejam.

Sem as demagogias e as irresponsabilidades próprias do costume, impõe-se rever a definição e a obrigatoriedade/sanções de quem não cumpre serviços mínimos e provoca danos máximos.