por Rafael Alves Rocha, Diretor-geral da CIP
Publicado no Expresso a 12.07.2024

Os mecanismos do telemóvel que o tornam inteligente — GPS, Internet, ecrãs tácteis, etc. — foram desenvolvidos pelo Departamento de Defesa norte-americano. As tecnologias de bateria da Tesla resultaram de uma subvenção do Departamento de Energia do mesmo país, sendo a Defesa uma das preocupações matriciais que estava em cima da mesa. O algoritmo do motor de busca da Google foi alavancado por uma inovação da National Science Foundation. Instituição que tem também como missão a Defesa nacional americana. O processo de investigação & desenvolvimento da inteligência artificial (IA) tantas vezes coordenado com a robótica, tem na Defesa — europeia, chinesa ou dos Estados Unidos da América (EUA) — um dos grandes promotores, financiadores e impulsionadores.

Vejamos agora outro lado deste universo. Ou seja, os contributos privados para a esfera da Defesa. Durante a década de 2010, a Anduril e a ShieldAI — empresas agora identificadas como unicórnios — aproveitaram tecnologias de origem comercial, como o aperfeiçoamento de pilotos de IA ou a fusão de sensores no limite, e adaptaram-nas a aplicações de Defesa. Um terceiro movimento de rutura está a acontecer neste preciso momento: um grupo cada vez maior de startups, e de empresas não tradicionais, está a estimular a inovação no sector da Defesa. Atraindo financiamento de capital de risco ao mesmo tempo que rastreiam outros meios financeiros para conseguir ganhar escala. Em muitos casos, na Europa e nos EUA, estas companhias, embora ainda em fase de arranque, encontram-se bem posicionadas para satisfazer as necessidades de segurança nacional. Desta forma, complementando a base industrial de raiz tradicional, cuja capacidade de produção possa eventualmente manifestar-se insuficiente para responder quer à evolução, quer ao volume de necessidades que hoje surgem em todo o mundo.

Na verdade, este é o ponto de partida deste artigo. O mundo está mais perigoso. Enfrentamos uma guerra na Europa. Temos, a leste, um líder político com evidentes aspirações imperiais. Olhamos com muita preocupação para um outro conflito armado bem perto das nossas fronteiras que expõe ad eternum as múltiplas tensões do Médio-Oriente. Finalmente, a afirmação global da China combinada com o risco de a NATO perder força de intervenção política, e no terreno, caso venhamos a assistir à eleição de um presidente norte-americano hostil a este pacto entre aliados. Isto é, nunca como nestes turbulentos tempos, onde a guerra, o conflito e a ameaça regressaram à Europa, a Economia e a Defesa são duas áreas da sociedade que terão de alinhar-se obrigatoriamente.

Uma inevitabilidade que é resultado também do compromisso assumido pelos países da NATO de investirem anualmente dois por cento do PIB em Defesa. Uma fórmula que servirá paralelamente para mitigar a forte dependência europeia em termos de material militar dos fornecimentos dos Estados Unidos América. Hoje tal condição é financeiramente onerosa, economicamente ruinosa e tecnologicamente custosa. Isto é, perdem-se as oportunidades de negócio, perdem-se os postos de trabalho, perdem-se as vagas de inovação. Até porque a Defesa é um poderoso acelerador nas componentes de investigação & desenvolvimento, mas tal-qualmente na fileira de abastecimento & manutenção.

Neste contexto, a indústria portuguesa está confrontada com a exigência de conquistar mercado para o made in Portugal igualmente nesta esfera da Defesa. De resto, o fornecimento de material militar convoca, abrange e arrasta diversos setores de atividade. Alguns desses domínios inclusive com escala no nosso país: o têxtil, a saúde, o calçado, o agroalimentar ou a metalomecânica. Mais: as exportações de Defesa (números de 2022) representam apenas 2% do todo nacional, o equivalente a 1,8 mil milhões de euros. Olhando para o investimento em I&D em percentagem do volume de negócios, verificamos que representa 4% enquanto a média do resto da economia fica pelos 0,7%. Depois: o peso das exportações no total das vendas é de 39,7% enquanto no resto da economia é de 23,6%. Ou seja, compensa o investimento no setor pois a Defesa desfruta de uma dimensão global.

«Last but not least»: Portugal tem um problema de dimensão empresarial traduzido em termos poucas grandes empresas, apenas 0,1% deste universo. Ora, na Defesa esta percentagem dispara para os 11,4%. As empresas de dimensão média equivalem a 0,5% do todo, mas na Defesa representam 22,9%. Este retrato é relevante porque esta dimensão aumenta substancialmente as hipóteses de êxito global. É disso que se trata: sucesso empresarial, profissional e nacional. Tendo Portugal necessariamente de aumentar os gastos em Defesa, então apliquemos esses capitais numa indústria que traga mais ciência, mais riqueza e mais know-how.