por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 29.04.2023

Tudo começa no trabalho e nos trabalhadores, envolve o capital para investir e o conhecimento para fazer escolhas, isto é, gerir. A minha primeira ronda de reuniões como presidente da maior confederação do país tem, por isso, os sindicatos como principais interlocutores – corrijo, eles não são interlocutores, palavra talvez demasiado distante para a relação que pretendo aprofundar neste mandato com os representantes dos trabalhadores. Em vez de interlocutores, vejo-os como parceiros. Os bons parceiros têm quase sempre competências diferentes, sensibilidades singulares, embora sejam complementares e tenham – devam ter -, objetivos comuns, porque é nesta partilha que se encontra o cimento que robustece uma relação duradoura e capaz de gerar prosperidade em dois dos lados deste triângulo.

O terceiro lado é o Estado, fundamental pelo espaço que ajuda a criar e pelas condições que é chamado a estabelecer e, por vezes, impõe. O Estado e quem o representa e conduz, neste caso o governo, tem beneficiado de uma conjuntura paradoxalmente positiva. O contraste é evidente. Enquanto trabalhadores e empresas em regra perderam em 2022, o Estado ganhou. Já há dados que nos permitem contabilizar a forma como foi partilhada essa perda ao longo do ano: em Portugal, o peso das remunerações do trabalho no PIB caiu de 47,9% em 2021 para 47,2%, embora continue acima da média europeia (47%). Por outro lado, o peso dos outros rendimentos gerados pela produção (excedente bruto de exploração) também caiu de 39,7% para 39,5%, um recuo inverso ao verificado na média europeia, que subiu a 41,9%. É importante ver que 39,5% é o valor mais baixo de Portugal desde 2005.

Em contraciclo encontramos, portanto, o Estado: os impostos indiretos (líquidos de subsídios), cujo peso no PIB passou de 12,3% para 13,4%, quase um ponto percentual mais. Podemos concluir sem margem para dúvidas que, entre nós, a inflação penalizou trabalhadores e empresas, tendo beneficiado claramente as finanças públicas. Diz-se que o governo está numa espécie de pré-campanha eleitoral: aumentou inesperadamente as pensões e aprovou medidas que não lhe trazem custos – quem os suportará, quem os pagará, seremos, como sempre, todos nós, as pessoas e as empresas, através dos impostos e das taxas. Ora bem, de onde vem o dinheiro que paga as novas medidas ainda cheirar a tinta fresca? A fonte que sustenta a bonança é a inflação que, no entanto, todos os outros prejudicou, reduzindo o rendimento e a liquidez disponíveis.

O contexto é este. A reunião com os sindicatos será a primeira de muitas. É evidente que nem sempre avançaremos nas negociações, mas tudo começa com a capacidade para lermos os factos e partirmos de uma base comum – recordo: é o Estado que está a ganhar com a inflação. É certo que haverá sempre perspetivas diferentes, mas será nesta capacidade de encontrar um ponto de equilíbrio que conseguiremos depois aprovar uma agenda conjunta favorável aos dois. Seremos ambos mais fortes se partirmos deste entendimento. Conseguiremos maior partilha de riqueza, em vez de deixarmos sempre ao Estado a maior fatia do que está sobre a mesa. Chama-se a isto emancipação. Portugal ganhará se ela acontecer.