por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 28.09.2024
A produção legislativa em Portugal parece ser, por vezes, do domínio da metafísica. Na elaboração das leis, os critérios são amiúde insondáveis, os processos ínvios, os resultados evanescentes ou inócuos. Do Parlamento sai legislação muito sofisticada e bem-intencionada, mas que ninguém cumpre, fiscaliza ou pune. Outras vezes, os diplomas são nados-mortos, dada a sua flagrante inconstitucionalidade, imperfeição técnica ou impraticabilidade. E há ainda leis que ficam a marinar à espera de regulamentação, até se esfumarem no esquecimento geral.
A falta de qualidade legislativa tem sido evidente em várias situações recentes, sobretudo quando estão em causa assuntos de maior melindre ou de grande complexidade. Segundo o Público, só nos últimos dois anos ficaram 30 diplomas por regulamentar e o número pode superar a centena, se recuarmos até 2003. As razões para esta estranha apatia legislativa são várias e não muito edificantes: dificuldades orçamentais, burocracia administrativa, querelas ideológicas, taticismo político, laxismo ou o famoso “quem vier atrás que feche a porta”. E assim, legislação tão relevante como a regra da “Comporta Regulatória” (”one-in, one-out”), que assume papel de relevo na redução dos custos de contexto que mais afetam a atividade económica e os cidadãos, ficou para outras núpcias.
O que tudo isto nos diz sobre a nossa democracia não é muito abonatório. Leis inconsistentes, com omissões e incongruências, sem fundamentos credíveis e manifestamente inexequíveis ou iníquas são um óbvio sinal de falta de maturidade e qualidade democráticas. E a responsabilidade por este statu quo tem de ser imputada aos partidos com assento parlamentar, de quem depende a eficácia legislativa.
Não menos grave é o conveniente torpor dos governos na hora de regulamentar. Trata-se de um desvirtuamento profundo do processo democrático, na medida em que não são respeitadas decisões legítimas do Parlamento, sede do poder legislativo e órgão representativo de todos os cidadãos. Assim se contribui para a degradação das instituições democráticas e se alimenta a desconfiança dos cidadãos em relação à política, fermento que faz crescer o populismo.
Na economia, o labirinto legislativo não se afigura menos kafkiano. Pelo contrário. A regulamentação (nacional e comunitária) das atividades económicas é intrincada e complexa. Abundam as normas e regras, os procedimentos e formalidades, as taxas e taxinhas… E esta babel legislativa, não só põe os nervos em franja aos empresários, como é um sério obstáculo à produtividade e competitividade das empresas.
Há, pois, todo um trabalho a fazer de qualificação e agilização da produção legislativa, sob pena de enfraquecermos a nossa democracia e emperrarmos o desenvolvimento do país.