por Óscar Gaspar, Vice-presidente da CIP
Publicado no Jornal de Negócios a 29.09.2023

Num aspeto estão todos de acordo: não era esperado que nascesse da CIP – Confederação Empresarial de Portugal a proposta para que pudesse haver lugar ao pagamento de um 15º mês aos trabalhadores. A determinada altura parece mesmo que o pecado original é apenas o da paternidade da medida —porque quanto à substância não se nega que a ideia é justa, oportuna e exequível.

Como alguém diria, “é urgente e necessário” o aumento do rendimento dos portugueses. Recuemos um ano. O salário mínimo teve um aumento de 7,8%, foi acordado na concertação social um aumento de salário de 5,1% para 2023, a verdade é que as remunerações estão a subir mais de 8% mas, ainda assim, quem mais lucra com esta dinâmica é…o Estado.

A diferença entre o encargo pago pelas empresas e o salário líquido que o trabalhador recebe é cada vez maior.

Esta situação é particularmente sensível num momento em que as famílias sofrem com valores de inflação como já não se viam há décadas, e que durante longos meses foram tidos como passageiros, a que acresce o impacto das taxas de juros, nomeadamente no crédito à habitação (num contexto de escassez de casas). Sucede que estes “annus horribiles” para as famílias são “annus mirabiles” para as contas públicas: a inflação faz crescer a receita fiscal muito para além do previsto, os aumentos salariais levam a maior arrecadação de IRS e TSU e a dinâmica do mercado de trabalho faz crescer as receitas da segurança social e diminuir as prestações sociais e até as pensões têm impacto positivo da demografia.

Vem nesta conjuntura a proposta para que, a título voluntário, as empresas paguem (até) um 15º mês aos trabalhadores e, assumindo a excecionalidade da situação, este recebimento não seja sujeito a IRS nem a TSU.

Não é fácil criticar a virtude da proposta, no entanto não podem ficar sem esclarecimento, mais do que resposta, algumas expressões públicas de incómodo.

A proposta para pagamento de um 15º mês não é um “engodo”, é uma forma transparente e direta de aumentar os seus rendimentos nestes anos difíceis. A CIP nunca disse que esta seria uma retribuição permanente mas sempre a assumiu como um bónus a pagar pelas empresas que o pudessem proporcionar aos seus trabalhadores. Percebendo que se possa lamentar o facto de não (ser possível) garantir este prémio numa lógica regular, é para mim incompreensível que se levantem objeções a que seja pago um rendimento extra nos próximos anos.

Custa também a compreender o argumento de que este é “um saque fiscal a favor de quem ganha mais”. A CIP defende que o pagamento deve ser feito a todos os trabalhadores por um valor até ao do salário de cada um, mas com um limite de 4.500 euros. Percebe-se mal que, quem tantas vezes reclama que os rendimentos do trabalho têm uma tributação desproporcionada, venha agora lamentar-se que, ainda que a título excecional, os rendimentos do trabalho sejam desagravados.

Também não colhe a tese que as empresas já deveriam ter dado este aumento e que nada as impede de pagar mais um ordenado. A questão aqui não é pagar mais um salário mas sim que esse rendimento chegue ao bolso do trabalhador.

Também houve quem dissesse que esta era a forma encapotada dos empresários quererem fugir ao aumento dos salários. Nada disso. Que fique bem claro: o 15º mês não é um substituto do aumento dos salários, é um prémio que acresce aos trabalhadores, acima, portanto, da percentagem de aumento das remunerações. Note-se as empresas não só estão a cumprir o acordo assinado entre os parceiros sociais (com exceção da CGTP) e o Governo e os salários até estão a aumentar mais do que o previsto.

Há quem teime em ver na dialética da sociedade uma guerra entre capital e trabalho, empresas e trabalhadores, e um jogo de soma nula. Não é assim, as sociedades desenvolvem-se e criam valor, o investimento semeia oportunidades e o empreendedorismo e o trabalho dão conteúdo a novas fronteiras. Esta proposta do 15º mês apresentada pela CIP não tem subjacente quaisquer contrapartidas mas antes com a firme expetativa de criarmos as condições para um crescimento mais robusto.

Por fim, o papão da sustentabilidade da Segurança Social (SS), com a acusação de se olhar apenas ao curto prazo. Esta ideia é falsa e facilmente desmontada já que não há qualquer redução de contribuições nem há qualquer aumento aos compromissos da SS. Se não houver 15º mês não há rendimento nem para o trabalhador nem para a SS pelo que a SS nada perde. Por outro lado, o 15º mês tem a natureza de um bónus e, por isso, não desconta para a SS mas também não conta para a reforma, pelo que não implica qualquer dispêndio futuro da SS.

A CIP está a fazer o que lhe compete, com propostas concretas e fundamentadas para o futuro do país. Não nos focámos apenas na discussão do Orçamento do Estado que aí vem mas também não fugimos às dificuldades do tempo presente. Esperamos que deste processo resultem boas soluções e que este processo desempoeirado de cidadania contribua para um novo ciclo de crescimento reforçado de Portugal.