[artigo publicado originalmente na Revista Indústria nº 127]

Os dados mais recentes da execução orçamental são inequívocos: o esforço das empresas para manter a atividade produtiva permitiu, mais uma vez, evitar os efeitos destrutivos da crise económica. Apesar disso, o Governo continua a poupar nos apoios e o Plano de Recuperação e Resiliência delega para segundo plano o papel das empresas no processo de retoma económica.  

Os dados da execução orçamental surpreenderam pela positiva. Dados revelados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) fecham 2020 com um défice de 5,7% do PIB, abaixo das últimas previsões do Governo que apontavam, em outubro, para uma degradação das contas públicas de 7,3%. Na primeira reação aos números, António Costa destacou “o grande esforço” do Governo, nos últimos seis anos, “para colocar as contas públicas em ordem”, o que permitiu ao país “chegar a 2019 com o primeiro excedente orçamental”. Explicou ainda que, aquele que é um dos maiores défices dos últimos anos, “explica-se essencialmente pelo grande esforço que houve necessidade de fazer para apoiar empresas, emprego, rendimento das famílias, mas também para relançar o investimento público, designadamente na educação”. Apenas o “grande esforço” das empresas parece ter ficado de fora do discurso do Primeiro Ministro.

Em nota de imprensa, em reação aos números apresentados pelo INE, é o Ministério das Finanças quem assume que a evolução melhor do que o esperado por parte da economia portuguesa se ficou a dever à resiliência do mercado de trabalho e das empresas. A receita fiscal e contributiva ficou 2,5% – cerca de 3.000 milhões de euros – acima do previsto. “Tal evolução resulta do comportamento positivo do mercado de trabalho que mostrou mais resiliência do que seria de esperar. Apesar da queda de 7,6% do PIB, o emprego apenas diminui 1,9%”.

No mesmo dia, o Banco de Portugal, no seu Boletim Económico, concluía que o confinamento que marcou o arranque do ano de 2021 terá provocado uma quebra “menos severa” da atividade do que a vivida por Portugal na primavera de 2020. Uma evolução justificada pela “capacidade de adaptação e aprendizagem dos agentes económicos“ e por um “enquadramento internacional mais favorável”. Condições que levam o regulador a manter a previsão de crescimento para 2021 inalterada, nos 3,9%, revendo, no entanto, em alta as previsões para 2022, dos anteriores 4,5% para 5,2%.

Só 35% dos fundos do PRR estão reservados para as empresas

O papel das empresas é hoje, tal como o foi no passado, inegável para a retoma económica do país. Apesar de todas as evidências, e das sucessivas provas dadas, o Governo continua a poupar nos apoios à atividade produtiva. “Os melhores resultados [do défice] traduzem, em parte, a resiliência do mercado de trabalho, apesar do contexto económico sem precedentes que vivemos há quase um ano. Este esforço na proteção de milhares de empregos resulta do compromisso das empresas com Portugal e com os portugueses”, nota o Presidente da CIP, António Saraiva. O responsável adianta que fica claro que “o esforço das empresas para manter a atividade económica” ajudou a evitar “efeitos destrutivos” da crise económica e frisa que espera do Governo um empenho semelhante. “Este não é um momento para reduzir a intervenção do Estado (…) À semelhança do que está a acontecer noutros países europeus, o Governo não pode hesitar em investir na recuperação económica e no apoio às empresas”. Recorde-se que, nas análises efetuadas, quer pelo Fundo Monetário Internacional, quer pelo Banco Central Europeu, Portugal surge, invariavelmente, na cauda da Europa em termos dos apoios orçamentais concedidos à economia (ver página xx). As empresas de outros países “têm beneficiado de programas nacionais de apoio significativamente mais robustos do que os criados pelo Governo português”. “Esse fosso não pode aumentar mais”, argumenta.

Por isso mesmo a CIP critica, desde logo, os montantes afetos às componentes mais diretamente relacionadas com as empresas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apesentado pelo Governo – pouco mais de 5,5 mil milhões de euros, ou seja, 35% do total. Em resposta à consulta pública, a CIP considera que a “alocação de verbas neste Plano não reflete a prioridade que deve ser concedida às empresas no processo de recuperação da economia portuguesa“, considerando que o PRR deveria estar mais orientado para melhorar a “capacidade competitiva” das empresas “num ambiente pós-pandemia que será fortemente

As empresas não podem esperar mais

A principal falha do PRR é, na opinião da CIP, “a escassa prioridade conferida à recapitalização das empresas, refletida quer nas verbas que lhe são alocadas, quer na indefinição quanto às soluções que serão adotadas”. A CIP apresenta por isso um conjunto de recomendações ao Governo (ver caixa) sobre os modelos de recapitalização a adotar e reforça a importância de ativar mecanismos financeiros e fiscais que favoreçam um movimento de fusões e aquisições de empresas. Além disso, considera essencial o reforço da base exportadora do país, e apela ao Governo que reforce as linhas de crédito para as exportadoras, que esgotaram rapidamente todo o apoio que foram recebendo até agora.

O presidente da CIP alerta ainda para a urgência da chegada dos fundos europeus. Portugal só deverá receber dinheiro da chamada “bazuca europeia” no quarto trimestre de 2021 e, por isso, insta o Governo português a antecipar o dinheiro, revendo para tal, se for necessário, o Orçamento do Estado.

[CAIXA 1]
10 lacunas do PRR

  1. Falta de orientação para melhorar a capacidade competitiva das empresas.
  2. Falta de visão global dos fundos europeus que vão chegar. Não são conhecidos os critérios que determinam quais os investimentos a ser financiados por recurso ao PRR e quais os que virão a ser financiados por recurso a outros instrumentos.
  3. Falta de análise custo-benefício dos investimentos e de impacto macroeconómico;
  4. Eleição de setores considerados estratégicos, em detrimento de uma política pública que corrija os efeitos adversos das falhas de mercado.
  5. Escassa prioridade conferida à recapitalização das empresas, refletida quer nas verbas que lhe são alocadas, quer na indefinição quanto às soluções que serão adotadas.
  6. Formação profissional sim, mas não só do Estado. Necessário contemplar iniciativas das entidades associativas empresariais, nacionais, regionais e setoriais.
  7. Ausência de orientação para as exportações e a internacionalização da economia.
  8. Na saúde, foco exclusivo do plano no Serviço Nacional de Saúde.
  9. Na ferrovia, ausência de referências às ligações ferroviárias internacionais e ao cumprimento dos compromissos internacionais de Portugal, nomeadamente a conclusão das linhas da Rede Core da UE até 2030.
  10. Ausência da Economia do Mar das linhas estratégicas do plano.

 

[CAIXA  2]
A CIP recomenda ao Governo:

  • Urgência na implementação de um instrumento de apoio à capitalização das empresas;
    • O formato de injeção de capital deverá ser titularizado em ações preferenciais reembolsáveis ou obrigações convertíveis em capital;
    • A opção de conversão em capital ordinário quer das ações, quer das obrigações só deverá ser considerada em última instância;
  • Incentivos à fusão de empresas através da aceitação fiscal da amortização do goodwill resultante de operações de fusão e aquisição;
  • Discriminação fiscal positiva em operações de fusão e concentração, simplificando os regimes fiscais aplicados a estas operações;
  • Reforço da linha de crédito com apoio a fundo perdido (Empresas Exportadoras da Indústria e do Turismo), dos atuais 1.050 milhões para 4.000 milhões de euros;
    • Reforço do apoio a fundo perdido. Atualmente, uma parte do empréstimo ao abrigo desta linha poderá ser convertida em fundo perdido, tendo como limite 20% do valor do financiamento. A CIP defende que este limite passe para 30%;
    • Este apoio deveria alargar-se para 7,5% ao ano, num máximo de cinco anos, nos casos de empresas em que mais de metade das vendas anuais sejam exportações;
  • Extensão dos contratos ao abrigo das linhas de crédito com garantia do Estado, de seis anos para oito anos, e alargamento dos respetivos períodos de carência, para não fazer coincidir pagamentos com o final das moratórias;