por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 30.12.2023
Há anos assim, estranhos, bizarros, atípicos. Anos que podem facilmente ser classificados de realmente maus ou pelo menos de anos medíocres. A lista de defeitos e problemas é demasiado longa para um país no fio da navalha que precisaria do oposto – estabilidade, ambição e progresso económico e social – para se posicionar entre o grupos dos líderes globais.
Em vez disso, em 2023 tivemos uma maioria absoluta desperdiçada, reformas novamente adiadas, a vida das empresas e da economia ignoradas, como de resto tem sido habitual, o que faz o país prosseguir o trilho do empobrecimento gradual. Podia ser pior? Podia, claro. Lemos, ouvimos e vemos as notícias e o mundo parece ter entrado numa espécie de deriva coletiva sincronizada com consequências funestas. As duas terríveis guerras em curso – com milhares de vítimas civis e destruição sem paralelo – são a expressão brutal deste deslaçar cruel sem fim à vista.
Mas não nos deixemos enganar. A situação geopolítica é de alta-tensão – desordem multipolar, chama-lhe “The Economist”; mas há países a acelerar e a evoluir, há estados a reconstruir-se e a investir e os próximos anos vão dar-nos conta disso mesmo. O crescimento não nasce de geração espontânea, ele não cai do céu, exige escolhas, determinação e ação. Leva a tempo a dar frutos e por isso exige planeamento, determinação e foco.
Vejamos a situação portuguesa. Estamos mal servidos na saúde, onde vamos de crise em crise. Estamos mal servidos na educação, onde os últimos resultados do PISA deixaram exposto os últimos anos de desnorte. É evidente para todos que pagamos caro, através de impostos altos, pelos serviços públicos que recebemos e que a tendência aponta para uma degradação maior. As empresas veem as margens minguar e estão sempre a exigir-lhes mais impostos, mais taxas, mais contribuições extraordinárias que acabam por tornar-se eternas.
Tudo isto leva os portugueses a procurar outras geografias em busca de uma vida melhor. O talento nacional é o primeiro a fugir, porque tem mais procura global e mais flexibilidade de movimentos. Esta hemorragia de saber fazer tem custos imediatos e de médio e longo prazos com uma agravante: ela não está a ser compensada com os que entram no nosso país. A imigração que recebemos é de longe composta por profissionais indiferenciados. É verdade que têm hoje espaço no mercado, é verdade que há setores que dependem desta mão-de-obra para funcionar, é ainda verdade que contribuem, no curto prazo, para a Segurança Social. Mas o salto que temos de dar nos próximos anos para ganhar fôlego económico exige outra capacidade de atração de talento.
O novo ano perfila-se então com uma vasta lista de encargos. É preciso estimular os portugueses a revelarem mais ambição coletiva, a exigirem maior qualidade na governação e a mostrarem mais eficiência coletiva. Temos de vencer a desconfiança e o medo. Não podemos ceder a populismos nem a soluções fáceis. Temos de responsabilizar as elites de todas as áreas – académicas, culturais, empresariais -, e exigir-lhes um compromisso com o bem coletivo, em vez de sacrificarem tudo aos interesses e taticismos imediatos. Se formos capazes de dar um passo firme neste sentido, que bom ano pode ser 2024.