por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 18.07.2020

Conhecido o documento de António Costa Silva, onde expõe a sua “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030”, e após todas as críticas que se fizeram ouvir sobre o mesmo – é o preço a pagar por aqueles que pensam e expõem publicamente as suas ideias – deixo aqui algumas notas que a sua leitura me sugeriu.

Em primeiro lugar, este documento fornece, como o seu título indica, uma visão estratégica, não um programa estratégico, cuja elaboração caberá, necessariamente, ao Governo, num processo que deverá ser de diálogo, envolvendo a sociedade civil e em particular as empresas. Costa Silva aponta nesse sentido quando propõe um Pacto Estado/Empresas, no âmbito do Plano de Recuperação Económica.

É um exercício que indica caminhos, com base numa visão de futuro de quem acredita no país. Contribui, assim, para que, depois de feitas escolhas fundamentadas em análises técnico-económicas (sem deixarem de ser políticas), possamos ter bases sólidas, de médio e longo prazo, que sustentem a recuperação do país.

Sendo um documento prospetivo, olha também com realismo para a situação presente, reconhecendo que o espaço temporal até à chegada do programa europeu em 2021 pode ser fatal, se não existir no terreno um programa agressivo para evitar o colapso de muitas empresas rentáveis.

Entre os caminhos que aponta, encontro muitos nos quais me revejo. Destacaria:

  • A reindustrialização, que não significa voltar ao passado, mas dar um “salto industrial” transformador da economia, sendo suscetível de cobrir todos os setores.
  • O reconhecimento de que, para transformar a economia portuguesa, é preciso resolver o problema do financiamento, estudar as alternativas ao paradigma do endividamento das empresas e criar instrumentos para acelerar a sua capitalização.
  • A valorização do potencial que representam os recursos endógenos. Não esqueçamos, no entanto, que são os recursos humanos o principal fator de diferenciação de qualquer economia. Apesar de estar clara a aposta no reforço das qualificações, através, nomeadamente, da formação e da aprendizagem ao longo da vida, incluindo a reconversão de competências, este ponto mereceria, na minha opinião, um tratamento mais profundo.

Finalmente, saliento o reconhecimento de que é preciso colocar as empresas no centro da recuperação da economia, como motor do crescimento e da criação de riqueza.

Não posso deixar de notar, neste aspeto, algum desequilíbrio entre o nível de detalhe no que respeita à ação direta do Estado e a generalidade com que são abordadas as condições para o aumento da competitividade das empresas. Por exemplo, reconhece-se que a carga fiscal é muito elevada e torna o país menos competitivo, mas não se retiram consequências desta constatação.

Esta é, sem dúvida, uma fragilidade do documento. Outras haverá, quando analisamos em maior detalhe certas opções, em termos de investimentos públicos, de apostas em determinados domínios ou de medidas preconizadas. A eles terei oportunidade de voltar.

Com todas as limitações, lacunas, excessos ou mesmo contradições que possamos eventualmente apontar, este é um documento a que ninguém poderá negar um mérito: pôr o país a debater a recuperação em termos estratégicos.