por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 15.08.2020

O Orçamento Suplementar veio introduzir três alterações (transitórias) às condições de reporte dos prejuízos fiscais:

  • Para os prejuízos fiscais relativos a 2020 e a 2021, o prazo de reporte para as grandes empresas é alargado de 5 para 12 anos (o que, atualmente, é aplicável apenas às PME);
  • Quando estejam em causa prejuízos fiscais de 2020 e 2021, o limite de dedução a efetuar em cada um dos períodos de tributação passa de 70% para 80% do respetivo lucro tributável;
  • Os anos de 2020 e 2021 deixam de contar, para efeitos de contagem do prazo de utilização dos prejuízos fiscais vigentes em 1 de janeiro de 2020.

Este é um exemplo de como as (poucas) medidas fiscais introduzidas pelo Orçamento Suplementar, sendo positivas, refletem falta de ambição e uma grande resistência em acionar a política fiscal no estímulo à economia.

Indo mais além nesta questão do reporte dos prejuízos fiscais, o documento “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030” propõe, na linha do que tem sido sugerido por vários fiscalistas, algo mais consistente e, sobretudo, mais focado na situação de emergência em que se encontra a grande maioria das empresas portuguesas:

  • Por um lado, a eliminação do prazo de reporte de prejuízos fiscais em sede de IRC, em sintonia com o que acontece noutros países europeus.
  • Por outro lado, a possibilidade de dedução dos prejuízos fiscais gerados em 2020 e 2021 aos lucros já apurados nos últimos exercícios financeiros.

Esta última medida (designada tecnicamente como tax losses carry back) permitiria às empresas um encaixe imediato (via reembolso de imposto), respondendo assim às suas enormes dificuldades financeiras.

É uma medida com provas dadas no ordenamento fiscal de diversos países, como a França, Alemanha, Países Baixos e Reino Unido, introduzida, nalguns deles, como resposta à crise de 2008. Na sequência da atual crise, outros países abriram também esta possibilidade, como a Bélgica, Irlanda, República Checa e Noruega. Na maioria dos casos, permite-se a utilização antecipada deste mecanismo, com base numa estimativa dos prejuízos de 2020, antes do fecho do ano, processando-se posteriormente as correções a efetuar, em conformidade com os valores definitivamente apurados.

Para além do efeito positivo na tesouraria das empresas, concorrendo para a manutenção da atividade económica e preservando postos de trabalho, esta medida tem duas grandes vantagens:

  • Beneficia as empresas que geraram e declararam lucros nos últimos anos, ou seja, empresas que mostraram ser economicamente viáveis e cumpridoras das suas obrigações fiscais.
  • É neutral, a médio prazo, ao nível das finanças públicas, uma vez que o esforço adicional que representa para o Estado, no presente, é compensado pelo facto de os prejuízos registados em 2020 e 2021 já não serem deduzidos nos períodos de tributação seguintes (conduzindo assim a maiores receitas fiscais no futuro).

Quando a situação é excecional, exigem-se medidas excecionais. Espero que o Orçamento do Estado para 2021 venha a corresponder, com esta e outras medidas, ao caráter excecional da conjuntura por que estamos a passar.