por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 02.07.2022

O fórum anual organizado pelo Banco Central Europeu (BCE), em Sintra, ocorreu num momento em que a condução da política monetária na área do euro se vem tornando mais difícil, mais complexa e também mais polémica. Suscitou, assim, natural expectativa e atenção, bem como um debate que colocou em confronto opiniões diversas. Ficaram bem patentes as razões subjacentes às dificuldades com que se defrontam os bancos centrais e, em particular, o BCE.

Em primeiro lugar, o impacto simultaneamente inflacionista e recessivo da guerra na Ucrânia. Este duplo impacto levanta a questão de como deverão os bancos centrais atuar para combater a inflação e evitar que ganhe raízes estruturais, sem, no entanto, deitar por terra as perspetivas de recuperação das economias.

Em segundo lugar, no caso da área do euro, a política monetária dirige-se a 19 economias, com políticas orçamentais distintas, dívidas públicas de dimensões muito díspares e mercados financeiros ainda não totalmente integrados.

Em terceiro lugar, a dificuldade dos decisores é tanto maior quanto o nível de incerteza que a presente situação comporta.

Neste contexto, apreciei a forma como, na sua intervenção de fundo, a presidente do BCE aliou firmeza e precaução.

A firmeza esteve presente em duas garantias: ir “até onde for necessário para garantir que a inflação estabiliza na meta de 2% a médio prazo” e não tolerar que os spreads dos países mais vulneráveis aumentem “de forma rápida e desordenada, além do que seria justificado pelos fundamentos económicos”.

A precaução, em face da incerteza, traduz-se no gradualismo, por forma a avaliar o impacto das decisões nas perspetivas de inflação. Conciliando firmeza e precaução, Lagarde acrescentou o princípio da opcionalidade, garantindo que a política reagirá com agilidade à evolução da economia e às expectativas de inflação.

Esta postura contrasta com outras vozes, menos prudentes, que se fizeram ouvir em Sintra, de responsáveis pela política monetária de outras economias, como as que defenderam a ideia de que, no combate à inflação, é preferível errar por excesso do que por defeito.

Reconheço, porém, que a estratégia do BCE só será eficaz se preservar a imagem de credibilidade. Não subscrevo, por isso, as críticas que, mesmo no nosso país, põem em causa essa credibilidade. Uma atuação mais agressiva do BCE, com aumentos mais fortes das taxas de juro, como alguns defendem, não faria do BCE uma instituição mais credível e teria impacto negativo, sobretudo numa economia sobre-endividada como a portuguesa. Constato, antes, que a credibilidade do BCE está bem refletida na forma como os mercados reagiram ao simples anúncio de um instrumento para defender as economias mais vulneráveis de um aumento desordenado dos spreads: a taxa de juro da dívida portuguesa a 10 anos chegou a ultrapassar os 3,1%, em meados de junho, e está hoje abaixo dos 2,5%.

Pela minha parte, continuo a confiar numa instituição que, apesar de todas as pressões, internas e externas, tem dado provas de independência e discernimento, contribuindo para que a Europa tenha ultrapassado os seus momentos mais críticos.