por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 18.02.2023

A resiliência do mercado de trabalho foi um aspeto determinante para ultrapassarmos o impacto da covid-19. Contudo, temos hoje sinais de que a travagem da economia que estamos a sofrer desde o início da guerra na Ucrânia se está a refletir no emprego.

Depois de, em fevereiro do ano passado, termos atingido um máximo histórico no emprego e um mínimo no desemprego, foram perdidos, em termos líquidos, 28 mil empregos, 20 mil dos quais em novembro e dezembro. O número de desempregados aumentou em mais de 45 mil, 31 mil dos quais nos dois últimos meses do ano. Consequentemente, no ano passado, a taxa de desemprego subiu de 5,8%, em fevereiro, para 6,7%, em dezembro. Não se trata apenas de um arrefecimento na contratação, temos já perda efetiva de postos de trabalho. Se a tendência persistir, o desemprego voltará a ser um problema sério.

Neste quadro, a solução não está, certamente, nas alterações à legislação laboral que foram aprovadas na Assembleia da República e que, em vez de melhorarem o enquadramento da atividade e estimularem a criação de emprego, irão dificultar a gestão das empresas e penalizar a sua competitividade.

Estas alterações decorrem da designada Agenda do Trabalho Digno, que o anterior governo propôs no contexto das negociações partidárias com vista a manter o seu apoio parlamentar, sem que tivesse obtido o acordo de nenhum dos parceiros sociais. Também não garantiu, como se sabe, o apoio parlamentar desejado. Algumas das medidas incluídas nem sequer tinham sido discutidas em sede de Concertação Social, o que levou, na altura, o primeiro-ministro a pedir desculpas aos parceiros sociais pelo lapso que, como reconheceu, o governo cometeu.

Lamentavelmente, as propostas foram retomadas nesta legislatura, sendo-lhes acrescentadas novas medidas não apresentadas ou sinalizadas aos parceiros sociais.

Já na Assembleia da República foi extravasado o âmbito das alterações que se encontravam previstas, num drástico acentuar do peso e do ónus que as alterações à legislação laboral fazem recair sobre as empresas. Sempre com o maior desprezo pelos parceiros sociais e pela Concertação Social e desvirtuando ainda mais o espírito do Acordo sobre Competitividade e Rendimentos concluído em outubro, na Comissão Permanente de Concertação Social. Tudo isto, por iniciativa ou acordo do Partido Socialista, cujo secretário-geral é, também, o primeiro-ministro que assinou esse mesmo Acordo, com o pressuposto de um reforço efetivo do papel e alcance da Concertação Social e dos parceiros sociais.
Em suma, estamos novamente perante um sério desrespeito pelo Diálogo Social, com consequências não só ao nível económico, mas também da credibilidade do próprio governo no seu relacionamento com as Confederações de Empregadores. Não se questiona a legitimidade do Parlamento, questiona-se a coerência das atitudes.
Pergunto-me quem ganhará com este caminho de afronta. Pergunto-me quem ganhará com uma maior rigidez da legislação laboral. Não serão certamente as empresas. Não serão também os trabalhadores, muito menos os desempregados e os jovens que se preparam para entrar no mercado do trabalho.