por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 23.10.2021

Pergunto-me qual será o impacto nas receitas ou despesas públicas das alterações na legislação laboral anunciadas na última reunião do Conselho de Ministros.

Em que é que estas questões tornarão o Orçamento mais ou menos merecedor de ser viabilizado no Parlamento?

Estas perguntas surgem-me a propósito do que assistimos esta semana, com as negociações entre o Governo e os partidos à sua esquerda a desviarem-se das matérias orçamentais para matérias laborais, cuja discussão deveria caber, previamente, à Concertação Social. A aprovação do Orçamento do Estado transformou-se num autêntico leilão político-partidário focado na legislação laboral.

De facto, o Governo deixou-se arrastar para, sob a pressão da viabilização do Orçamento do Estado, aceitar cedências em domínios próprios de outras agendas e que nada têm a ver com os méritos ou os deméritos da sua Proposta de Orçamento.

Como resultado, assistimos, na Concertação Social, à pressão do Governo para a aprovação das suas propostas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno e Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho.

Trata-se de propostas que não tiveram em conta nenhuma das que foram apresentadas pelas organizações empresariais e às quais foram agregadas, à última hora, cedências já publicamente anunciadas, em aproximação às exigências de outros parceiros, que não os sociais.

Muitas destas propostas, ao invés de contribuírem para promover a economia e sustentar a criação de mais empregos, constituem um sério entrave ao desenvolvimento das atividades económicas, não se coadunam com o contexto de incerteza em que ainda vivemos, põem em causa o princípio da liberdade de negociação coletiva, geram mais custos e encargos injustificados para as empresas, põem em causa um mínimo de flexibilidade interna indispensável a uma racional gestão do tempo de trabalho.

As Confederações de Empregadores estavam empenhadas numa discussão séria e equilibrada sobre muitos dos objetivos genericamente enunciados na Agenda, como sejam o combate ao trabalho não declarado, a valorização dos jovens no mercado de trabalho, a promoção da conciliação entre trabalho e vida familiar ou a dinamização da contratação coletiva.

Essa discussão foi, nos últimos tempos, contaminada pela questão orçamental, passando a obedecer ao calendário parlamentar e a agendas político-partidárias centradas em questões marginais que nada contribuem para o que nos devia importar neste momento: concretizar reformas para pôr o país a crescer.

Neste quadro, tornou-se inaceitável a validação de uma Agenda claramente hostil à iniciativa privada.

O Governo avançou, unilateralmente, com as suas pretensões, incluindo aquelas com que já se tinha comprometido publicamente, mesmo antes de as apresentar à Concertação Social.

Desperdiçou-se, assim, uma excelente oportunidade para alavancar uma retoma robusta e sustentável, enfrentando com realismo, mas também com equilíbrio, os desafios que o futuro do trabalho nos reserva.