A epidemia do coronavírus já está a afetar as empresas portuguesas. O seu impacto económico, ainda difícil de prever, não pode ser encarado de forma leviana.

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 22.02.2020

https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/um-virus-na-economia/

A suspensão, esta semana, de parte da produção numa empresa de confeções, por dificuldades no aprovisionamento de componentes e diminuição de encomendas, veio confirmar o inevitável: a epidemia do coronavírus já está a afetar as empresas portuguesas. O seu impacto económico, ainda difícil de prever, não pode ser encarado de forma leviana.

Os efeitos não se sentem apenas ao nível de perturbações nos fornecimentos de inputs industriais, mas também na redução da procura, em diversos setores, do vinho ao turismo.

O facto da economia chinesa – a segunda maior do mundo – estar a operar com apenas 40% a 50% da sua capacidade não poderia deixar incólume a economia portuguesa.

Tendo em conta o desfasamento temporal entre as perturbações no funcionamento das empresas chinesas e os seus efeitos nas empresas europeias e dado que a epidemia ainda não terá atingido o seu pico, assistiremos nas próximas semanas ao alastramento deste impacto, afetando mais empresas, em mais setores.

Na Europa, o setor automóvel é foco das principais preocupações, uma vez que a China é o maior fabricante mundial de componentes utilizados na montagem de milhões de veículos.

A falta de um elemento, por pequeno que seja, pode comprometer toda uma linha de produção e interromper, a jusante e a montante, toda a cadeia de fornecimentos. Muitas empresas, um pouco por todo o mundo e também em Portugal, admitem vir a suspender a sua produção, seja por falta de peças ou de encomendas.

Também um pouco por todo o mundo, muitas empresas estão já a procurar soluções alternativas para o fornecimento de inputs. Há, pois, razões para as empresas portuguesas estarem atentas às oportunidades que poderão surgir da procura de novos fornecedores. No entanto, essas oportunidades não devem ser sobrevalorizadas: por um lado, todo o processo de reajustamento das cadeias de produção é demorado; por outro, espera-se que as atuais perturbações sejam temporárias.

É certo que não estamos perante uma crise de natureza estrutural. Tudo indica que o impacto económico seja passageiro e parcialmente reversível, quando a atividade regressar ao normal.

Contudo, este episódio vem demonstrar (se tal fosse ainda necessário) que as profundas mudanças na organização da produção mundial trazem consigo novos riscos.

Num mundo em que a produção de bens e serviços se fragmentou em redes densas, complexas e geograficamente dispersas, as economias tornam-se mais interdependentes e as empresas estão mais vulneráveis a perturbações que possam surgir em qualquer um dos inúmeros elos das cadeias de valor onde se inserem.

Neste contexto, a adaptabilidade e flexibilidade das empresas nas respostas a alterações imprevisíveis dos mercados tornam-se vantagens competitivas cada vez mais relevantes nos mercados mundiais. Esta é uma realidade que deve estar presente tanto na gestão das próprias empresas como nas decisões políticas que afetam a sua envolvente.