por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 25.02.2023

Há um ano, alertava neste espaço para o facto de a avaliação dos projetos do PRR ser vulnerável ao arrastar de prazos, podendo gerar atrasos significativos na execução dos investimentos.

Por isso, concluía, a Administração Pública tinha à sua frente um duplo desafio: a sua modernização e uma atitude que propiciasse a boa utilização das verbas disponíveis e a concretização dos investimentos em tempo útil. Se a Administração Pública mantivesse o seu registo de business as usual, dificilmente daria resposta aos problemas a enfrentar.

Lamentavelmente, tive razão.

O relatório da Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do PRR, apresentado esta semana, é muito claro na sua primeira recomendação: é imprescindível que se acelere os processos de decisão das candidaturas aos vários concursos. Recomenda-se também uma avaliação apurada dos processos em vigor, simplificando-os ou reorganizando, em detrimento da opção pela dilação de prazos de avaliação.

Diziam-nos, como argumento para o enviesamento do PRR em detrimento dos apoios ao investimento empresarial, que não se podia pedir ao setor privado que investisse mais, numa conjuntura negativa. Não podíamos correr o risco de prejudicar a execução dos fundos por falta de iniciativa por parte das empresas.

Verifica-se que, na generalidade dos concursos abertos, a resposta das empresas foi forte. Surpreendeu mesmo pela positiva. Afinal, os problemas na execução do PRR não vêm do lado da procura, vêm do lado da máquina administrativa.
De facto, como o mesmo relatório constata, ao longo de 2022, verificou-se que, em vários avisos, especialmente naqueles que se destinam às empresas, existiram prazos na avaliação das candidaturas que, em alguns casos, ultrapassaram 300 dias.

Vejamos alguns exemplos mais gritantes: o prazo para a entrega das candidaturas relativas ao apoio à produção de hidrogénio renovável e outros gases renováveis terminou em 18 de fevereiro de 2022. Foram apresentadas 41 candidaturas. O organismo responsável pela gestão deste aviso tinha um prazo de 60 dias úteis para as analisar e decidir. Só no passado dia 15, quase um ano depois, foram assinados os contratos relativos aos 25 projetos aprovados.

No caso do programa “Bairros Digitais”, o relatório da CNA é particularmente duro: “Um mês para preparação e apresentação de candidaturas (por parte das empresas) versus quase um ano para a sua avaliação. Tal demora na avaliação das candidaturas prejudica a fluidez do programa, atrasa a sua aplicação, sendo completamente injustificável face à rapidez que se pretende que tenha a execução do PRR.”

Foram também identificados casos em que é necessária uma alteração na legislação para uma melhor execução do PRR e a sua concretização continua por acontecer. Registam-se demoras de meses na obtenção de autorizações necessárias a uma gestão corrente adequada por parte das entidades públicas intervenientes.

A CNA foi muito clara. Está a cumprir a sua missão. Assim a cumpram também os responsáveis pelos atrasos que, conforme é afirmado, podem ter repercussões significativas nas decisões de investimento das empresas e na sua concretização no terreno.