por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 09.04.2022

Sem grandes novidades, o Programa do Governo foi apresentado e debatido na Assembleia da República.
As primeiras linhas do Programa seriam promissoras: nelas encontramos, desde logo, o objetivo da recuperação e convergência; encontramos a promessa de uma “resposta abrangente no curto prazo aos desafios imediatos” decorrentes da guerra; encontramos o reconhecimento de que as alavancas fundamentais que podem mudar a trajetória de desenvolvimento se encontram no reforço contínuo das qualificações dos trabalhadores e na formação profissional efetiva, bem como na capitalização das empresas.

No entanto, o Programa desilude, pela sua falta de ambição e de foco neste objetivo e nestas prioridades.
O anunciado reajustamento do Programa para responder às consequências económicas e sociais da guerra na Ucrânia resumiu-se, no plano interno, a quatro linhas: menos do que o espaço dedicado à estratégia para a promoção do uso de bicicletas.

Noutros domínios, como o de “melhorar a qualidade da Democracia”, o Programa chega a detalhes como o de prever “visitas de estudo regulares aos órgãos de soberania” ou a “programação de jogos eletrónicos” para os mais novos. No plano da estratégia económica para enfrentar as ameaças do regresso a uma espiral de inflação, apenas podemos ler, na primeira página, uma referência vaga à “defesa contra os aumentos exponenciais do preço da energia e dos bens alimentares”. Ao longo das restantes 175 páginas não há sequer uma única referência à inflação.

Aqui e ali, detetamos laivos do que deveria ser uma estratégia económica ao serviço do crescimento.
Quando chegamos à página 147, lemos (finalmente) que este é “o momento de exprimir de forma clara o modelo de desenvolvimento que ambicionamos para o país: uma economia e uma sociedade assentes no conhecimento, em que o crescimento da produtividade assenta na inovação e na qualificação das pessoas”. Falta, contudo, concretizar. Falta concretizar em que consistirá o “quadro favorável para que as empresas disponham dos recursos para assegurar os investimentos necessários à adoção de novos modelos de produção”. Falta concretizar, por exemplo, a resposta à necessidade de “uma fiscalidade que favoreça o investimento e a capitalização das empresas” ou a criação de instrumentos para apoiar aumentos de capital de empresas.

Quanto à internacionalização, pergunto-me como será possível atingir os louváveis objetivos de alargar a base de empresas exportadoras e atingir o valor de 53% das exportações no PIB, sem assumir a necessidade do relançamento industrial e de uma política coerente e transversal para a Indústria, ausente do Programa do Governo.

Este é um programa de continuidade, que repete a mesma estrutura e, em larga medida, a mesma orientação do anterior.
Após dois anos em que, sob a crise pandémica, a divergência económica relativamente à Europa se acentuou significativamente, quando o impacto da guerra na Ucrânia ameaça a sobrevivência de inúmeras empresas, quando a escalada da inflação põe em risco o rumo de crescimento da economia, seria preciso mais, diferente e melhor.