por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 07.11.2020

Após a queda sem precedente da atividade económica no segundo trimestre, a recuperação no terceiro trimestre reduziu a contração homóloga do PIB de -16,4% para -5,8%. Mesmo assim, esta contração do PIB em Portugal continua mais profunda do que na média europeia (-3,9%).

Sem menosprezar a importância destes números, apesar de tudo mais favoráveis do que o que era esperado, esta evolução não nos pode deixar descansados.

Em primeiro lugar, porque, em setembro e outubro, o ritmo da recuperação esmoreceu claramente, conforme os dados mensais mais recentes vêm comprovar.

Em segundo lugar, porque conforme já tive oportunidade de alertar neste espaço, a recuperação está a ser marcadamente heterogénea. Em muitos setores, a situação continua a ser dramática e está já a levar ao encerramento de um número muito expressivo de empresas: em setembro, as insolvências atingiram o valor mais elevado em três anos.

Em terceiro lugar, porque as recentes medidas restritivas, em resposta à segunda vaga da pandemia, não deixarão de constituir um travão adicional à atividade, por um período que ainda não é possível determinar. Acresce que, com muitos países europeus a regressar a situações de confinamento, as exportações de mercadorias, que estavam a recuperar razoavelmente, contribuindo para a retoma, irão certamente ressentir-se.

Tudo isto justifica, inevitavelmente, um acréscimo da ajuda do Estado ao tecido produtivo. Sem essa ajuda, corremos o risco de um colapso da oferta, face ao qual não haverá estímulos à procura que evitem o aumento do desemprego e o consequente agravamento da crise social.

O Governo parece já ter tomado consciência da necessidade de ser “mais ambicioso” nos apoios às empresas, depois de ter apresentado um Orçamento particularmente dececionante neste domínio. Espero que as medidas que estão a ser tomadas sejam consequentes.

Mas também é importante que o Estado não “desajude” as empresas.

A este respeito, não posso deixar de lamentar a legislação recentemente aprovada sobre o teletrabalho. Seria responsabilidade do Governo definir um quadro razoável e claro, que assumisse as diversas situações em que se justifica, ou não, a obrigatoriedade excecional deste regime.

Ao invés de o fazer, o Governo vem remeter para as próprias empresas o ónus de justificar a incompatibilidade da atividade de cada trabalhador, em concreto, com a sua prestação em teletrabalho.

Esta situação vem criar incerteza, confusão e conflituosidade nas empresas, para além de as sujeitar à apreciação discricionária de cada situação por parte da Autoridade para as Condições de Trabalho, num domínio tão importante como a organização do trabalho e a gestão dos recursos humanos.

Um pouco mais de ponderação e de atenção ao impacto da legislação sobre a realidade que pretende regular seria o mínimo exigível num momento tão crítico.