por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 13.06.2020

No Programa de Estabilidade apresentado no mês passado, o Governo reconheceu, como um dos impactos decorrentes da COVID-19, o aumento dos problemas associados ao sobre-endividamento empresarial.

Para além da pressão sobre o crédito malparado, que o documento realça, e do risco imediato de muitas empresas entrarem em insolvência, o sobre-endividamento constitui um forte constrangimento ao relançamento do investimento. Assim, o seu agravamento colocaria as empresas numa posição ainda mais fragilizada no momento exigente da recuperação. Acresce ainda a maior vulnerabilidade a aquisições hostis, com condições propícias a quem pretenda comprar ao desbarato o que muito tempo e esforço levou a construir.

Por isso, nas suas propostas para um Plano Extraordinário de Suporte à Economia, a CIP defendeu a reorientação das medidas de política económica, com um maior recurso a incentivos a fundo perdido (nomeadamente através da transformação da garantia de Estado em incentivo não reembolsável), bem como a soluções que favoreçam o reforço de capitais das empresas. A principal proposta neste âmbito consiste num Fundo de Fundos com três mil milhões de euros para capitalização de empresas através dos fundos de capital de risco.

O Programa de Estabilização Económica e Social agora anunciado, e a que o Orçamento Suplementar vem dar suporte financeiro, avança com algumas medidas que vêm ao encontro destas preocupações.

Contudo, sendo, como aqui classifiquei, um passo na direção certa, esta vertente do Programa é aquela em que mostra mais timidez e levanta mais dúvidas quanto à capacidade de chegar rapidamente ao terreno.

Há, de facto, um leque alargado de novos incentivos não reembolsáveis, mas a ideia central de conversão parcial de crédito em fundo perdido foi relegada apenas para as microempresas do turismo, apesar de se saber que o Executivo submeteu a Bruxelas a possibilidade desse instrumento ir até aos 1,6 mil milhões de euros.

Há, de facto, a intenção de criar um fundo para participação em operações de capitalização de empresas, mas a sua dimensão não está ainda definida e, desde logo, consta a indicação de ser dirigido a “setores estratégicos”. Esta indicação sinaliza uma abrangência limitada e uma discriminação de setores que, no recente caso das linhas de crédito, deu provas, mais uma vez, de ser uma má receita que depressa teve de ser abandonada. Quando me perguntam quais os setores “de futuro”, respondo que não sei e que espero que nenhum governo tenha a veleidade de os definir, a priori.

Acresce que este fundo será gerido pelo futuro Banco Português de Fomento. Quero acreditar que é desta vez que a promessa de um verdadeiro banco de fomento (ou “banco promocional”, como agora se diz em Bruxelas) se vai concretizar. Mas quanto tempo teremos ainda de esperar para que esteja apto a operacionalizar este fundo?

Espero, pois, que este Programa de Estabilização, com todas as medidas necessárias e pertinentes que contém, evolua rapidamente para um verdadeiro Programa de Recuperação, mais ambicioso, mais focado no futuro e nas condições necessárias para recolocar as empresas e a economia na rota do crescimento.