por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 10.02.2024

Fazer metade de alguma coisa é, essencialmente, não fazer (quase) nada. Os empresários aprendem na pele a necessidade de levar as coisas até ao fim. Aprendemos também que quando nos comprometemos com alguém a fazer alguma coisa temos de cumprir a nossa parte do acordo; não é suficiente esperarmos apenas que o outro faça o seu lado. Infelizmente, por alguma razão (facilitismo?) os decisores políticos cometem vezes de mais o erro de ficarem-se pela metade. Fazem apenas metade do caminho.

Anunciam um projeto ou uma ideia e não a levam até ao fim, defraudando as expectativas e frustrando iniciativas que poderiam revelar-se alavancas de mudança. Por exemplo, em 7 de outubro de 2022 foi assinado entre o Governo e os parceiros sociais um Acordo de Médio Prazo para a Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade. O que aconteceu? Os rendimentos subiram até acima do que estava acordado, as empresas cumpriram a sua parte do compromisso. E a outra metade – a aumento da competitividade estabelecida em 2% ao ano -, definida como requisito para o aumento dos salários, o que lhe aconteceu? Simplesmente não aconteceu. Até por isso, o Governo passou a referir-se ao assunto apenas como acordo para a melhoria dos salários.

Dou mais um exemplo deste péssimo hábito de ficar pela metade. O ponto oito dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável – “trabalho digno e o crescimento económico” – foi transposto para Portugal apenas como “Agenda de Trabalho Digno”, omitindo totalmente a indispensável referência ao crescimento económico. Ou seja, assumida e anunciada esta meta, ela perdeu logo 50% do propósito que a animava. O objetivo ficou circunscrito ao “trabalho digno” e resto caiu, como se o crescimento do país fosse um compromisso dispensável.

É por demais evidente que os governos fazem sempre o mais fácil. Vamos a correr de braços abertos para o PRR, não falta entusiasmo, os ministros exultam, fazem-se grandes notícias – mas depois o Estado revela-se incapaz de dar resposta aos processos empresariais que lhe são submetidos e as decisões acumulam-se na secretaria. A perda de tempo é chocante. Quem não se lembra de projetos – hospitais, por exemplo – que nunca saíram do papel e da fase de projeto?

Esta é uma tendência que já se transformou num terrível hábito gerador de dois problemas corrosivos para as democracias e para o nosso país: a complacência (perante o fracasso, baixamos coletivamente os braços) e a desconfiança – deixamos de confiar no Estado e até uns nos outros. O populismo também se alimenta deste lamentável hábito dos decisores políticos. Tão mau quanto isso é o desperdício de oportunidades económicas e o sistemático desrespeito dos acordos, o que defrauda a justa expectativa e a boa fé das pessoas. Estou convencido de que as nossas dificuldades competitivas devem-se muito também a este mau hábito que se encontra instalado na nossa cultura política. É tempo de isto mudar.