O desconfinamento confirmou a dificuldade de reactivar economias que sofreram paragens bruscas e desordenadas. A produção foi sendo interrompida em vários pontos do globo. Essas interrupções amplificaram-se dentro das cadeias globais de produção e distribuição. Há ainda sectores inteiros quase parados. A reactivação desses sectores não depende da recuperação de apenas uma economia. Depende da recuperação de todas as economias. Na União Europeia, com o grau de integração económica existente, nenhum país vai recuperar sozinho. Talvez seja esta a principal motivação para a resposta mais coesa que as instituições europeias têm dado a esta crise.
Uma razão adicional para as medidas musculadas do Banco Central Europeu e da União Europeia é o possível impacto desta crise na posição da Europa na economia mundial. Nas últimas décadas, a Europa tem vindo a perder importância face à China e aos Estados Unidos, em termos económicos e tecnológicos.
As previsões relativas ao impacto económico da pandemia covid-19 têm vindo a confirmar as piores expectativas. Com quedas do PIB em torno dos 10% em 2020, é crucial que a recuperação seja já visível em 2021. Se a Europa não conseguir acompanhar a recuperação da China e dos EUA, arrisca-se a ficar irremediavelmente para trás.
O programa Next Generation EU, apresentado pela Comissão Europeia, visa não apenas a recuperação da crise, mas dar também um novo impulso a UE. Esta nova geração de políticas tem na recuperação da soberania industrial um dos seus principais vectores. No entanto, os Estados-membros têm condições muito diversas para aproveitar esta nova visão para Europa, definida pela Alemanha e pela França.
Neste processo de reindustrialização, qual será o lugar da economia portuguesa?
As economias mais fragilizadas pelo elevado endividamento e por uma recuperação mais lenta terão mais dificuldades em posicionar-se no contexto da nova estratégia europeia. As empresas dessas economias, como a portuguesa, terão menor capacidade de investimento e de contratação de recursos humanos qualificados.
A indústria tem tendência a deslocar-se para polos de dinamismo industrial. As regiões com melhores redes de fornecedores, trabalhadores qualificados, centros tecnológicos e infraestruturas terão vantagem neste processo de reforço de soberania industrial da Europa. Ou seja, as regiões mais industrializadas tenderão a concentrar mais indústria.
Poderá parecer paradoxal que, numa altura em que a UE elege a digitalização como uma das suas prioridades, alguns países se tornem regiões periféricas – afinal, é suposto a digitalização encurtar distâncias. Mas é o que acontecerá se não formos rápidos a posicionarmo-nos no novo tabuleiro da economia mundial. Será mais decisivo para o futuro da economia portuguesa percebermos o novo tabuleiro em que vamos jogar do que o número de milhares de milhões que poderão vir da UE.
*Artigo publicado na Revista Indústria nº 124, 2º trimestre 2020
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