por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 08.08.2020

Com o surgimento da pandemia, o teletrabalho revelou-se desde logo (quando possível) como uma solução óbvia para compatibilizar a exigência (ou forte conveniência) de confinamento dos trabalhadores com a continuidade da prestação de trabalho e da atividade empresarial.

De uma expressão residual no mercado de trabalho português, o teletrabalho passou a ser adotado, quase de um dia para o outro, total ou parcialmente, pela esmagadora maioria das empresas cujas atividades o permitiam. Porque a lei assim o determinou e porque as empresas e os trabalhadores compreenderam bem esta exigência e a aceitaram.

Podemos concluir, dos resultados do inquérito levado a cabo pela CIP em parceria com o Marketing FutureCast Lab do ISCTE, que as empresas e os trabalhadores que puderam recorrer a esta forma de trabalho revelaram uma excelente capacidade de adaptação a uma situação a que não estavam, de todo, habituados.

A experiência foi reveladora de vantagens e inconvenientes, já descritos em diversos trabalhos de natureza académica, mas que puderam ser, na prática, vivenciados pelos seus atores. Esta experiência não deixará de se refletir numa nova perceção, com consequências sobre o recurso futuro a esta forma de prestação do trabalho.

A pandemia serviu como driver, quebrando inércias, destruindo preconceitos, revelando potencialidades. Criou-se confiança. O que antes não era encarado como opção, é agora visto como alternativa a ponderar.

A perspetiva de expansão do recurso ao teletrabalho (que o referido inquérito da CIP/ISCTE veio confirmar) traz, agora, desafios ao nível da sua abordagem ao nível das relações laborais.

A privacidade do trabalhador e a garantia de confidencialidade, o controlo da atividade laboral, a propriedade e utilização dos equipamentos, a autonomia do trabalhador e a reserva da sua vida privada, a flexibilidade inerente a este regime e o respeito pela vida pessoal/familiar, são alguns dos domínios que, naturalmente, carecem de adequada ponderação, tendente a eventual aprofundamento.

A heterogeneidade setorial, empresarial e mesmo pessoal não se compadece, porém, com soluções gerais e abstratas.

Daí que os aspetos referidos (e outros que a realidade venha a evidenciar) tenham como sede natural a contratação coletiva. A negociação coletiva entre parceiros sociais que estão no terreno e conhecem as respetivas realidades será o espaço privilegiado para procurar e definir soluções pragmáticas e equilibradas. Soluções que, tendo em conta as especificidades de cada situação em concreto, acautelem os interesses legítimos dos trabalhadores, compatibilizando-os com as exigências da competitividade empresarial.

Procuremos, pois, com a experiência recolhida em circunstâncias adversas e excecionais, responder a uma nova realidade que vai emergindo.