por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado na Revista Front Line a 01.06.2022
O impacto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia veio alterar profundamente as perspetivas para a economia, tanto a nível nacional como na Europa e no mundo
Quando se vislumbrava, no rescaldo da pandemia, uma recuperação relativamente rápida da economia e a gradual normalização dos desequilíbrios que se vinham a observar nos mercados internacionais, uma nova vaga de disrupções no comércio e de aumentos sem precedentes do custo da energia e de matérias-primas está a tornar mais sombrias as perspetivas económicas. Esta a tornar, também, mais difícil e mais exigente a coordenação entre as políticas orçamentais e a política monetária.
Se, antes de 24 de fevereiro, se podia admitir que as pressões inflacionistas, que vinham já a fazer-se sentir, tinham uma natureza temporária e podiam manter-se sob controlo, a exacerbação destas pressões, com a subida exponencial dos custos de produção, ameaça paralisar um número crescente de empresas e lançar a Europa numa nova espiral inflacionista, com custos económicos e sociais severos e duradouros.
Ajustamento da política monetária
Tal como tem sido pedagogicamente explicado pela presidente Lagarde, a política monetária é impotente para contrariar eficazmente um choque que vem do lado da oferta. O Banco Central Europeu tem sido prudente, resistindo a pressões externas e internas para uma alteração brusca na sua política. Tem sido prometido gradualismo e flexibilidade no ajustamento da política monetária, mas, caso não seja possível conter uma espiral de inflação que alastre dos preços para os salários, assumindo uma natureza mais estrutural, o Banco Central Europeu ver-se-á na inevitabilidade de aumentar significativamente as taxas de juro, induzindo um movimento recessivo.
É esse alastramento da crise, que redundaria num regresso da estagflação – elevada inflação e estagnação económica acompanhada de desemprego – que é preciso evitar a todo o custo.
Em Portugal, a inflação manteve-se, durante vários meses, significativamente abaixo dos valores observados na área do euro. As empresas resistiram a repercutir os aumentos de custos nos preços, vendendo com menos margem (ou mesmo com prejuízo), na tentativa de não perder mercado e clientes. Esta resistência parece, agora, ter chegado ao limite, com a inflação de 7,4% no mês de abril (medida pelo IHPC) já muito próximo da média da área do euro, de 7,5%.
Minorar o impacto da crise
Ao nível nacional, a prioridade deverá ser minorar o impacto da crise sobre os grupos sociais mais vulneráveis e apoiar as empresas, salvaguardando a capacidade produtiva e o emprego. Os apoios que têm sido anunciados são bem-vindos, mas resultam numa compensação muito limitada face à dimensão do problema e deixam de fora muitas empresas.
Simultaneamente, são urgentes medidas que respondam, com a dimensão necessária, transversalmente, ao aumento de custos do gás natural, da eletricidade e dos combustíveis, para minorar a sua repercussão nos preços, no consumidor. Enquadram-se neste âmbito as medidas que estão a ser negociadas com Bruxelas (destacando-se a intervençãono mercado grossista da eletricidade), bem como a redução do ISP. A resposta tem ido no sentido correto, mas, mais uma vez, é insuficiente.
Seria necessária uma política orçamental mais atuante, sobretudo na vertente fiscal. Essa via revela-se dificilmente conciliável com a opção contestável, patente no Orçamento do Estado para 2022, de reverter a margem de manobra ganha pela execução orçamental de 2021, quase exclusivamente em benefício de uma maior ambição no reequilíbrio das finanças públicas.
Para conter os custos das empresas e evitar o alastramento das pressões inflacionistas, resta uma atitude muito prudente no que diz respeito à evolução salarial. O Governador do Banco de Portugal afirmou, a este propósito, que, neste momento, é importante ter muita cautela na avaliação daquilo que são as atualizações salariais, porque esta questão não é uma matéria apenas para um semestre ou um ano, o impacto é mais longo.
Nos últimos três anos, a remuneração média por trabalhador no setor privado aumentou 10,7%, muito acima da inflação e da evolução da produtividade. Agora, uma progressão dos salários em linha com as expectativas da inflação, não só alimentaria a escalada dessa inflação como atingiria em cheio a nossa competitividade.
Estagflação na Europa
Ao nível europeu, a Comissão Europeia afirma que é urgentemente necessário conter o aumento dos preços da energia e que o cenário de estagflação pode ser enfrentado e evitado se reagirmos fortemente juntos. No entanto, para além de um novo Quadro Temporário de Crise que flexibilizou as regras de auxílios de Estado, permitindo um maior apoio à economia por parte dos Estados-membros, pouco mais temos. Não basta encorajar os Estados-membros a “usar uma ampla gama de medidas para amortecer os aumentos de preços, como isenções fiscais ou subsídios”. Essa é a solução que levará a que, mais uma vez, os países com maior poder financeiro atuem em benefício das suas empresas com apoios significativos. A resposta será, inevitavelmente, mais fraca nos países com menor margem de manobra orçamental, prejudicando a concorrência e convergência no mercado europeu.
Tal como sucedeu com a pandemia, a natureza e a dimensão das atuais ameaças só podem ser respondidas com eficácia através de programas coordenados e financiados ao nível europeu. Lamentavelmente, não parece haver vontade política para soluções deste tipo.