por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 30.04.2022

Os sinais vitais da economia parecem, à primeira vista, animadores: a atividade económica em Portugal continua a resistir ao impacto da guerra na Ucrânia e à aceleração da inflação. As previsões para este ano são, aliás, razoáveis: a procura interna cresce, as exportações também e o PIB dará um salto de 4% (FMI) ou 4,9% (governo).

É certo que a comparação com o difícil 2021 ajuda os números, puxa-os para cima, mas há um ponto que tem de ser sublinhado: as pessoas estão a comprar, estão a consumir, estão a gastar. Por outro lado, também é verdade que a pressão inflacionista continua a aumentar e a fazer estragos, embora de forma desigual.
Explico-me: tendo em conta a inflação de 5,3% registada em março, sobretudo por causa da energia, mas também com uma forte pressão em várias matérias-primas, nos salários e nos custos de transporte/logística, há uma parte significativa do impacto que não está a ser repercutida nos preços pagos pelos consumidores. Isso significa que as empresas estão a vender com menos margem, muito menos margem, nalguns casos até a perder dinheiro, já que procuram a todo o custo manter-se à tona. Isto é, dão o que têm e o que não têm para não perderem mercado e clientes, enquanto esperam que a guerra acabe e os custos operacionais baixem novamente.

Acontece que muitas destas empresas sofreram um terrível rombo nos seus balanços ao longo de dois anos. Resistiram à paralisação da economia, mas chegaram a 2022 no limite das suas forças. As micro e pequenas empresas são, como sempre, as mais expostas e com menor margem de manobra, mas o problema é geral, afeta grandes e pequenos negócios. A esta pesada mochila junta-se agora o monumental aumento dos custos, aumento que ultrapassa, nalguns casos, os 15% ou 20% ou até 25% do total dos custos operacionais das empresas.

O normal seria transferir a maior parte destes custos para os consumidores, já que não se trata de um momento breve – já estamos assim há vários meses -, mas de uma subida persistente, que não se desvanecerá subitamente. Na verdade, se em Portugal a inflação foi de 5,3 %, em março, na União Europeia foi de 7,3% e nos Estados Unidos de 8,5%. O que explica esta diferença? A resposta será complexa, mas há um fator que certamente contribui para este resultado: as empresas portuguesas estão a amortecer o choque, não estão passar grande parte dos custos aos consumidores.

Esta proteção está a acontecer um pouco por todo o lado, mas em Portugal está, aparentemente, a acontecer de forma mais acentuada. Em Espanha, por exemplo, a inflação no mês passado foi de 9,8%, quase o dobro da nossa. Portugal vive sempre um pouco desfasado do mundo em várias áreas, mas neste caso a explicação parece-me evidente: as empresas estão a servir de para-choques porque sabem que o poder de compra em Portugal é frágil e porque estão a tentar segurar o futuro com tudo o que podem.

Infelizmente, isto não é sustentável, os balanços não são eternos. O que significa que vamos ter mais empresas a soçobrar ou, inevitavelmente, os preços terão de subir mais depressa. E o governo? O governo não parece querer perceber o que está a acontecer. Eu chamo-lhe a crise submersa. Aguardemos.