por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 04.03.2023

Conhecemos, esta semana, os dados do INE sobre a evolução da economia no ano passado. Se nos dão conta do maior crescimento económico desde 1987 – 6,7% – mostram, também, que a convergência registada em 2022 não foi suficiente para compensar, no conjunto dos últimos três anos, a maior intensidade do impacto da pandemia na economia portuguesa: fechamos o ano com um PIB 2,7% acima do nível pré-crise, valor que compara com 2,9% na média da União Europeia.

Este crescimento de 6,7%, decorrente, em grande parte, do efeito estatístico da recuperação registada em 2021, esconde, por outro lado, uma realidade mais sombria: a travagem brusca da atividade económica sob os impactos da guerra.
Se olharmos para o consumo, o investimento e as exportações, deparamo-nos, em todas estas variáveis, com um forte abrandamento a partir do segundo trimestre. No quarto trimestre, tivemos já uma contração em cadeia do consumo e das exportações de bens. O investimento, apesar de ter recuperado um pouco das quedas do segundo e terceiro trimestre, ficou abaixo do registado no final de 2021.

No que respeita a inflação, o pior já terá passado. As cotações internacionais do petróleo, gás natural e diversas matérias-primas retrocederam, os preços na produção industrial caíram, em cadeia, pelo sexto mês consecutivo, e a taxa de inflação está a recuar, lenta, mas consistentemente, depois do máximo de outubro. Nota-se, contudo, alguma resistência à baixa nas suas componentes menos voláteis.

Há também, em janeiro e fevereiro, sinais encorajadores nos indicadores de confiança dos consumidores e das empresas, designadamente da indústria transformadora, do comércio e dos serviços.

Temos, em contrapartida, reflexos da travagem da atividade económica no mercado do trabalho, com a taxa de desemprego a aumentar para 7,1% em janeiro, o que não deixará de ter consequências sobre o consumo privado. Outro fator que tem suportado o consumo – alguma poupança acumulada durante a pandemia – irá, inevitavelmente, desvanecer-se.
Terminado o ciclo de recuperação e tendo em conta uma conjuntura internacional adversa, o contributo das exportações para o crescimento do PIB será seguramente mais fraco.
Temos, sobretudo, os impactos, sobre as famílias e sobre as empresas, do aumento das taxas de juro, que ainda se irá agravar nos próximos meses, continuando a fazer-se sentir ao longo do ano.

Se, de facto, conseguimos fugir à recessão, a grande incógnita é até que ponto as empresas continuarão a suportar a degradação das condições económicas e quando é que esta tendência se irá inverter, dando lugar ao regresso da recuperação.

Neste contexto de incerteza, ouvimos anunciar a “descida impressionante”, de quase 12 pontos percentuais, do peso da dívida pública no PIB. Trata-se, sem dúvida, de uma excelente notícia no que respeita um importante objetivo – a sustentabilidade das finanças públicas. Mas o facto de, quer o défice, quer a dívida pública, terem ficado abaixo das metas definidas, significa também que, afinal, havia espaço para um maior esforço orçamental na prossecução de outro objetivo: o crescimento económico.