por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 23.07.2022

Vale a pena olhar com alguma atenção para os resultados do último inquérito às empresas no quadro do projeto Sinais Vitais, desenvolvido pela CIP em colaboração com o Future CastLab do ISCTE.

Em primeiro lugar, é evidente qual é, atualmente, o principal problema da economia: 86% das empresas indicaram o aumento dos custos como um dos seus dois principais constrangimentos. Para mais de metade das empresas (56%) o aumento nos custos operacionais (incluindo matérias-primas, energia, mão-de-obra, transportes) foi, desde o início do ano, superior a 15%. Para algumas (9%) o aumento foi superior a 50%.

Confrontando estes valores com o do aumento dos preços ao consumidor, concluímos que uma parte substancial do acréscimo de custos não está a ser passada aos preços finais. Isto mesmo está patente nas respostas ao inquérito: 46% das empresas repercutiram menos de metade do acréscimo de custos nos preços de venda. 25% não fizeram qualquer aumento de preço.

É fácil perceber, com estes números, que não é só o rendimento real dos consumidores que vai sendo corroído pela inflação, mas também as margens das empresas.
Quem está, então, a ganhar com a inflação? Em primeiro lugar, evidentemente, os produtores mundiais de combustíveis fósseis e matérias-primas, que continuam a beneficiar da escassez ou simplesmente do medo que se instalou nos mercados.

Mas, entre nós, a inflação está, claramente, a favorecer as contas públicas. Entre janeiro e maio, a receita do IVA aumentou mais de 25% face ao mesmo período de 2021, muito acima da previsão orçamental de 11% para o cômputo do ano.
Um recente relatório da UTAO afirma que é previsível que a receita continue a beneficiar do contexto inflacionista, havendo “indicações positivas quanto à probabilidade de superação da meta orçamental prevista”.

Compreende-se, assim, o título que nesta semana sintetizava, no DN, o Estado da Nação: Inflação dói a famílias e empresas, mas ajuda contas do Estado. E quanto mais a inflação vai subindo acima das previsões, mais folga o Orçamento ganha.
Voltando aos resultados dos Sinais Vitais de julho, é clara a visão dos empresários e gestores sobre a forma como o governo está a responder ao impacto simultaneamente recessivo e inflacionista desta crise: a grande maioria (84%) considera que os programas de apoio estão aquém (ou muito aquém) das necessidades. 78% não se candidatou, nos últimos três meses, a nenhuma das medidas de apoio à economia em vigor; a maioria não o fez por não preencher as condições de elegibilidade ou por esses apoios não enquadrarem as suas necessidades.

Vai-se consolidando, entre as empresas, consenso em torno da necessidade de uma atuação mais forte na área da fiscalidade para refrear a escalada da inflação e mitigar os seus efeitos.

Entretanto, o tempo passa, as medidas tardam, e, ao contrário das empresas e dos cidadãos deste país, o Estado será, porventura, dos poucos a chegar ao fim do ano com contas mais favoráveis do que previa. Um privilégio do qual, nestes dias, só quem cobra impostos pode usufruir.