por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 04.05.2024
A Assembleia da República é o coração da democracia. Tem um papel fundamental, determinante até. Sustenta o Governo, fiscaliza, impulsiona, marca o ritmo do debate e aproxima os eleitores dos eleitos, de certa forma é a voz do país. O que o Parlamento não pode fazer é governar, não pode ser uma espécie de motorista sentado no banco de trás. Não deve, não pode substituir-se ao Governo, não é esse o mandato que lhe foi atribuído pelos eleitores, não é de todo essa vontade que os portugueses expressaram nas urnas.
É com espanto, para não dizer com enorme perplexidade, que observo os acontecimentos políticos desta semana. As iniciativas políticas da oposição para aprovar medidas e políticas públicas com impacto orçamental são uma subversão da ordem natural dos procedimentos. Não estou a discutir o mérito ou o desmérito das ideias – o fim das portagens nas SCUT no interior e no Algarve, além dos acertos no IRS. O que contesto veementemente é o desrespeito por aquilo que deveria ser da exclusiva responsabilidade do Governo de Luís Montenegro, escolhido pelos eleitores para pôr em prática o seu plano para Portugal.
De que forma poderemos avaliar as decisões desta governação se ela for torpedeada por aprovações ad hoc? Qualquer decisão tem sempre impacto orçamental. O dinheiro não estica. Fazer uma coisa e não outra é – deveria ser – a prerrogativa inalienável e intransponível do Governo. É a sua competência. Podem e devem existir negociações, acertos e aproximações entre as diferentes forças parlamentares, mais ainda quando a maioria que sustenta o Governo não lhe permite autonomia total. Coisa completamente diferente é a transferência – à força – para o Parlamento das competências que cabem ao Governo e só ao Governo.
Sabemos todos que o contexto político é especialmente difícil. Exige aos partidos políticos uma dose especial de responsabilidade. É a vida dos portugueses que está em causa, é o presente e o futuro do país que estão em jogo. Mais do que isso, o momento é tão sensível que o país inteiro olha com especial atenção – tomam nota do comportamento e das ações dos decisores políticos na expectativa de ver se conseguem estar à altura das circunstâncias; querem ver se conseguem colocar os seus interesses político-partidários ao serviço da nação e não o contrário. A credibilidade e a confiança políticas dependem também disto.
O momento económico é de extrema sensibilidade. A incerteza salta à vista de todos. Há muito a fazer em todas as áreas. Da saúde à justiça, passando pelo PRR e pelo Portugal 2030. A nossa malha fiscal tem de ser alterada, as relações das pessoas e das empresas com o Estado têm se ser simplificadas, os salários e a produtividade têm de aumentar. Temos de iniciar um novo ciclo económico e social. Para que isto aconteça, o primeiro-ministro tem de ser capaz de governar e as oposições têm de fiscalizar e procurar melhorar as políticas públicas. A receita é esta, o método é este. Se o PS, em tempos não muito longínquos, quando era Governo, contestou a intromissão de alguma oposição precisamente num abuso semelhante, então contestou bem. A confiança não pode ser abalada. Tem de ser protegida. Não pode ser Portugal a pagar as táticas de interesse exclusivo dos partidos na sua ânsia de fixar e atrair eleitorados.