por Rafael Alves Rocha, Diretor-geral da CIP
Publicado no Jornal de Negócios a 02.05.2024

Portugal não tem um problema de produtividade. Produzimos bem, produzimos muito, e produzimos com alto valor-acrescentado. Certeza que permite às nossas empresas uma forte presença nos mercados globais, expressa na mesma dimensão do «made in Germany», do «made in Italy» ou do «made in USA». Será mesmo assim? Infelizmente, acontece exatamente o oposto. Temos algumas empresas em sectores altamente competitivos, por exemplo na área industrial, da energia e da saúde, tão-só para citar três exemplos, mas é um dado inquestionável que a nossa produtividade é baixa. Certeza que compromete seriamente a internacionalização da nossa economia.

Na verdade, este é um problema estrutural do País. Há mais de uma década que Portugal ocupa a cauda da produtividade entre os países da moeda única. Segundo o Eurostat, em 2016 tínhamos um nível de produtividade equivalente a 72,8% da média da Zona Euro, mas em apenas seis anos fomos ultrapassados pela Estónia, Letónia e Lituânia. No âmbito da UE, também a Croácia, a Roménia e a Polónia passaram à nossa frente. A produtividade do trabalho em Portugal em 2022 correspondia, portanto, a 72% do valor registado na Zona Euro. Ou seja, a nossa produtividade média por trabalhador é 28 pontos percentuais inferior à média dos países do espaço da moeda única. Somente os gregos e os eslovacos conseguem pior.

Os factos são concretos, angustiantes, indesmentíveis. Todavia, nas últimas semanas foram publicadas duas notícias na Imprensa a apontar em sentido justamente contrário. Isto é, que a nossa produtividade aumentara na inversa proporção dos salários. Todos sabemos que os números podem «trabalhar-se» ao ponto de, em teoria, corroborar todo o tipo de conclusões. Dito isto, creio que é fundamental repor a verdade dos factos. Abrindo espaço para o diálogo sério, profícuo e transparente entre empresários, trabalhadores e Governo.

Um dos artigos em causa afirmava literalmente que, em Portugal, a produtividade tem subido mais do que os salários. Tão espantosa conclusão era aparentemente sustentada numa publicação da OCDE — Compêndio de Indicadores de Produtividade — publicada a 29 de fevereiro último. Ora, na parte da publicação dedicada a este tema, a OCDE utiliza o indicador de produtividade por hora trabalhada e o indicador de remunerações totais do trabalho por hora trabalhada, incluindo os trabalhadores independentes. A análise foca-se num universo mais restrito que exclui os setores primários e o imobiliário, bem como «setores não mercantis» — atividades predominantemente ligadas ao setor público, como sejam a saúde ou a educação. São também apresentados dados relativos à totalidade da atividade económica entre 1995 e 2022.

Para calcular a evolução das remunerações dos trabalhadores em termos reais são utilizados dois deflatores distintos – o índice de preços no consumidor (IPC), mais relevante na perspetiva dos trabalhadores, e o deflator do valor acrescentado bruto (VAB), mais relevante na perspetiva dos empregadores. Tomando esta base, e para o universo mais restrito, os resultados para Portugal são os seguintes para a totalidade do período considerado: a produtividade do trabalho terá aumentado 49,9% entre 1995 e 2022, e as remunerações do trabalho terão aumentado 39%, quando utilizado o deflator do IPC, e 52,6%, quando utilizado o deflator do VAB. Torna-se imperioso afirmar nesta altura que estes resultados estão muito influenciados pelo comportamento atípico de 2022, afetado pela escalada da inflação.

Contudo, os dados disponíveis para 2023 — com base noutros indicadores quer do INE, quer do Eurostat — mostram que a evolução das remunerações reais neste último ano foi muito superior à produtividade, corrigindo parcialmente o referido comportamento de 2022. Em 2021, o aumento da produtividade desde 1995 tinha sido de 45,9% e o das remunerações reais de 43,4% (tomando o deflator do IPC) e de 56,2% (tomando o deflator do VAB). Ou seja, o artigo incorre num claro enviesamento de análise — a favor da suposta tese de uma evolução dos salários reais inferior à da produtividade.

De facto, com base nos dados da referida publicação da OCDE, na última década, entre 2013 e 2022, a produtividade por hora trabalhada aumentou 5,9% e a remuneração média real por hora trabalhada (utilizando o deflator do IPC) aumentou 19,4% — 13% utilizando o deflator do VAB. Portanto, bem acima da produtividade. Neste período, as remunerações reais evoluíram acima da produtividade em sete anos consecutivos — cinco anos no caso do deflator do VAB — à mesma taxa em 2021 e, apenas em 2022, a uma taxa inferior. Mesmo assim, insuficiente para compensar o desfasamento observado em 2020. Caso exista, na última década, um «crescente desligamento da evolução real de salários e produtividade», esse desligamento terá ocorrido em particular entre 2013 e 2020, mas em sentido precisamente antagônico ao referido no artigo, isto é, uma progressão mais forte dos salários reais do que da produtividade.

A baixa produtividade das nossas empresas — e também do Estado — é um problema grave, crónico e inquietante que temos de enfrentar em conjunto. Não é útil para ninguém fazermos de conta que vivemos numa realidade alternativa. Temos pessoas qualificadas, temos infraestruturas capazes e temos acesso aos mercados globais. Qual é, então, o problema? A resposta é conhecida há algum tempo: capital, investimento e o contexto adequado para que a economia portuguesa possa desenvolver-se plenamente.

Não é por acaso que 96,7% das nossas empresas são microempresas — empregam menos de dez pessoas. Transformar uma microempresa numa pequena empresa, essa pequena empresa numa média empresa e depois essa média empresa numa grande empresa é um verdadeiro Cabo das Tormentas. Os constrangimentos são quase intransponíveis. Sejam fiscais, jurídicos, económicos, financeiros ou ambientais. Ora, como as empresas mais produtivas são em regra as de maior dimensão, as grandes empresas garantem 62% das exportações, 71% dos impostos e 40% do emprego, o resultado dificilmente poderia ser outro senão a nossa factual baixa produtividade.