por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 21.08.2021

No conjunto de propostas da Comissão Europeia a que me referi na semana passada, incluem-se muitas medidas relativas à produção e consumo da energia.

Entendo a necessidade de agir, receio, porém, que a grande abrangência das medidas e, nalguns casos, os saltos consideráveis em relação aos requisitos atuais, venham a criar desajustamentos temporais e, o que não é desejável, uma transição energética cheia de exceções e com diferentes velocidades no seio da União Europeia.

Deste conjunto de propostas, serão particularmente sensíveis para Portugal três aspetos: a eficácia real dos novos objetivos de renováveis na produção de eletricidade, as medidas restritivas da utilização de combustíveis nos transportes e um novo olhar sobre a fiscalidade na energia.

Aparentemente, objetivos ambiciosos no que respeita à produção de eletricidade renovável em Portugal não constituirão qualquer problema; mas as necessidades de investimento são muito significativas e, por essa razão, terão de ser otimizadas.

Tal implica que, antes desta nova onda de compromissos, se cumpram os que ainda não estão realizados e que, de resto, viabilizam em parte as novas propostas.

Estou a falar das interligações da Península Ibérica com a Europa Central, há muito prometidas mas que tardam, em tempo de execução e, também, em amplitude.

Por outro lado, a prioridade à eficiência energética, a capacidade organizada de desligar, se necessário, grandes consumos (tivemos, de resto, há poucos dias a prova da utilidade e da necessidade desse mecanismo) e interligações eficazes permitiriam limitar o esforço financeiro nacional na transição energética, libertando recursos para outras áreas críticas.

A escassez de recursos financeiros será também evidente se o princípio da neutralidade tecnológica for abandonado no caso do transporte particular e ligeiro de mercadorias, com metas apertadas para a transição para novas formas de energia.

Este objetivo será particularmente crítico para o nosso país, que detém uma estrutura considerável na indústria automóvel. Além disso, não se vê que existam recursos para a renovação substancial do parque automóvel convencional, em prazo à vista.

Quanto à eficiência energética nos edifícios, prioridade que é plenamente justificada, lembro que o objetivo no que respeita ao setor residencial e de serviços é a redução dos consumos com conforto das pessoas, e tal consegue-se com melhores edifícios mais do que com novos equipamentos potenciadores de maiores consumos.

Por último, a fiscalidade sobre a energia é também objeto de proposta neste pacote de medidas, mas a verdade é que há anos que a Comissão tem tentado alterar as regras de tributação da energia, esbarrando sempre nas objeções de vários países, num domínio que é zelosamente defendido como competência nacional pelos Estados-membros.

Em suma, o cumprimento da nossa parte quanto aos novos objetivos europeus terá de ter em conta as condições à partida, designadamente a necessidade de interligações elétricas com a Europa, bem como o ritmo e equilíbrios adequados, nomeadamente no caso dos transportes.