por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 09.01.2021
Os olhos do mundo estiveram focados, esta semana, nos Estados Unidos, assistindo a imagens inacreditáveis, indignas de um país com tradições democráticas fortemente enraizadas. Foi mais um sinal do estranho mundo em que vivemos e uma lição sobre a necessidade de lideranças assentes em valores, em responsabilidade e no respeito pelos princípios básicos do Estado de Direito. De facto, “um fraco rei faz fraca a forte gente”.
Quero acreditar que se tratou do último episódio de um período que, dentro de dias, ficará definitivamente encerrado. Um período que se refletiu negativamente nas relações entre os Estados Unidos e a Europa. Nas palavras do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, um parêntese de quatro anos, em que a União Europeia deixou de ser vista, do outro lado do Atlântico, como aliada, para ser confrontada como rival.
Com a nova Administração norte-americana, estão criadas as condições para relançar um diálogo que permita não só reforçar o potencial das relações transatlânticas, mas principalmente reconstruir uma ordem económica mundial com base no multilateralismo.
Esta preocupação está bem presente no programa da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia. Na sua linha de ação para uma Europa Global, este programa preconiza precisamente a revitalização das relações com os Estados Unidos, orientando-as para as respostas aos desafios globais, numa nova aliança de parceiros que partilham interesses e valores.
Sabemos que a agenda económica do novo Presidente norte-americano contém propostas que podem chocar com os interesses europeus. Não creio que, a curto prazo, seja possível regressar aos objetivos ambiciosos do Tratado Comercial Transatlântico que estava a ser negociado sob a Administração Obama. No entanto, a União Europeia tem, de novo, na Administração Biden, um interlocutor credível com quem poderá tratar das inevitáveis divergências como parceiro responsável. Tem agora, também, um potencial aliado nas respostas aos desafios globais, como no domínio comercial, através da revitalização e modernização da Organização Mundial do Comércio, ou na ação climática, com o já certo regresso dos Estados Unidos ao Acordo de Paris.
Sozinha, dificilmente a Europa poderá enfrentar com sucesso estes desafios.
A confirmar-se, a cimeira entre os Estados Unidos e a União Europeia, ainda sob a Presidência portuguesa, deve ser vista como uma oportunidade a não perder para relançar, em bases renovadas, o diálogo transatlântico.
Estou certo de que Portugal colocará todo o seu empenho no sucesso desta cimeira.
Sem menosprezar a importância de outras prioridades presentes na agenda da Presidência Portuguesa, como sejam o reforço do relacionamento com África, os consensos necessários para a conclusão do acordo com o Mercosul ou a cimeira de maio com a Índia, esta será uma ocasião para que Portugal desempenhe a sua vocação histórica de construtor de pontes entre a Europa e o resto do mundo.