por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 03.06.2023

As empresas europeias enfrentam obstáculos burocráticos sem paralelo nos outros grandes blocos económicos com os quais concorremos. Os encargos legislativos são imensos. Para que se tenha uma ideia da monumentalidade e do absurdo da empreitada, entre 2017 e 2022 foram impostas 502 novas obrigações europeias dirigidas ao setor privado, o equivalente a 3670 páginas de regulamentação, que interferem em praticamente todos os setores. É um verdadeiro maná para quem vive à sombra destes edifícios legislativos que se convertem num labirinto diabólico consumidor de tempo e recursos essenciais.

Não por acaso, o investimento direto estrangeiro na UE caiu 66% em 2021 em comparação com 2019. No mesmo período, esse mesmo indicador aumentou 63% nos Estados Unidos. Há qualquer coisa que não está bem, que não funciona e que trava a nossa dinâmica económica. E não culpemos a pandemia – a covid-19 também atingiu os Estados Unidos. A verdade é que a riqueza e o desenvolvimento estão a ser desviados da Europa e parte da responsabilidade é nossa. O problema espelha a forma como nos organizamos.

Não me entendam mal. A regulação, as leis e os decretos-leis são expressões fundamentais do Estado de Direito. Além das funções de soberania, o corpo legislativo que nos organiza exerce uma influência determinante na forma como nos relacionamos e desenvolvemos. A União Europeia tem, no entanto, esta tradição prolixa que por vezes se manifesta de forma intrusiva. O poder centralista de Bruxelas, magnificamente retratado na série Sim, Senhor Primeiro-Ministro, resulta de uma pulsão interventiva que tem na origem a necessidade de se afirmar politicamente. Dito de outra forma: é o resultado de alguma insegurança política que, espero, passará com o tempo.

Depois há a outra parte da história: a forma como se fazem leis em Portugal. Ninguém estranhará se eu disser que no nosso país há legislação incompreensível, contraditória e obscura. Esta observação não será vista como sendo radical porque todos nós, a certa altura das nossas vidas, já nos deparámos com textos legislativos que parecem retirados de obras jurídicas de pendor quase místico, que exigem o lançamento dos búzios para serem entendidas em toda a sua extensão.

A deficiente qualidade formal e material das leis é um sério problema em Portugal. Somos culturalmente palavrosos e as nossas leis levam esta tendência à letra. Há um estudo da coautoria do professor João Caupers (2014) sobre este tema. Resumidamente, o professor considera fundamental que seja definida uma política legislativa que crie parâmetros para a qualidade da legislação. Que é necessária – palavras dele – a identificação das entidades que deverão ter responsabilidades no desenvolvimento e supervisão da política legislativa. E ainda “que os princípios da necessidade, simplicidade e acessibilidade da lei, do mesmo modo que a transparência do procedimento legislativo, integrem os princípios orientadores da política legislativa”. O que o Estado hoje faz, salvo honrosas exceções, é o contrário desta abordagem. As mudanças à lei do trabalho são a última obra-prima. Uma tristeza e mais um sobrecusto desnecessário que afeta em cheio a competitividade da nossa economia.