É tempo de, no próximo Orçamento do Estado, o governo olhar para a injustiça fiscal que representam as tributações autónomas

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 06.08.2017

Constituição da República estabelece que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. No entanto, persistem no nosso sistema fiscal figuras “exóticas” que pervertem este princípio, no pressuposto que muitas empresas não apresentam o valor real dos seus rendimentos.

É o caso do pagamento especial por conta e das tributações autónomas, que são, na realidade, formas suplementares de tributação, menos permeáveis à evasão, lançadas indiscriminadamente sobre todos os contribuintes, os faltosos e os cumpridores, para compensar os cofres do Estado das práticas abusivas de alguns.

Vejamos as tributações autónomas, criadas para contrariar abusos em determinado tipo de despesas, mas que incidem sobre todas as empresas. Constituem um encargo manifestamente excessivo sobre as que suportam, de facto, estas despesas, não como expediente remuneratório mas por serem efetivamente inerentes à sua atividade.

É o caso, por exemplo, das empresas que não atribuem viaturas de serviço para uso pessoal, mas possuem frotas automóveis para a sua atividade, nomeadamente na área comercial.

Criada em 2000, com uma taxa de 6,4% (hoje pode chegar a 45%), a tributação autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros tem sido aproveitada, pelos sucessivos governos, para obter mais receita fiscal, através de repetidos aumentos das respetivas taxas e do alargamento da sua incidência.

Desde então, ocorreram já 16 alterações legislativas respeitantes às tributações autónomas, constituindo um exemplo claro de instabilidade fiscal.

À medida que se sucedem estas alterações, torna-se cada vez mais nítida a distorção causada na tributação das empresas, distanciando-se do princípio de incidência sobre o rendimento.

De facto, segundo as estatísticas da Autoridade Tributária, em 2015 as tributações autónomas atingiram mais de 500 milhões de euros. Isto significa que perto de 14% do IRC liquidado nesse ano correspondeu, afinal, a tributação indireta “enxertada” no IRC e não a tributação direta do rendimento das empresas.

No que respeita ao pagamento especial por conta, está prevista a sua redução progressiva e a sua substituição por um regime adequado de apuramento da matéria coletável.

É tempo de, no próximo Orçamento do Estado, o governo olhar para a injustiça fiscal que representam as tributações autónomas e, pelo menos, reverter o aumento introduzido pelo Orçamento do Estado para 2014, procurando ao mesmo tempo formas de distinguir fiscalmente situações diferentes, para deixar de fazer “pagar o justo pelo pecador”.