por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 20.08.2022

Numa comunicação sobre os métodos de trabalho da Comissão Europeia, a presidente Ursula von der Leyen determinava, no próprio dia em que assumiu funções, a aplicação do princípio one in, one out. Sem “ses” nem “mas”, afirmava que “todas as propostas legislativas que criem novos encargos devem aliviar pessoas e empresas de um encargo equivalente existente a nível da União Europeia no mesmo domínio político”.

Muitos lobbies criticaram imediatamente este princípio, considerando-o arbitrário e lesivo da necessidade de mais regulamentação, nas mais diversas áreas. Imagino que nos serviços da Comissão terá começado uma campanha inspirada no melhor que nos trouxe a série Yes, Minister.

De facto, em abril de 2021, uma comunicação da Comissão diluía este princípio com uma forte dose de “flexibilidade” na sua aplicação, determinando, por exemplo, que se houver vontade política para regulamentar mas não for possível identificar compensação na mesma área, a Comissão pode decidir isentar o regulamento desta abordagem.
Entretanto, dezenas de diplomas aumentaram já o acervo legislativo europeu com novas obrigações para as empresas. Outros estão para chegar.

Em Portugal, tantas vezes pioneiro quando se trata de legislar, este princípio não era novidade. Em 2014, foi inscrito num decreto-lei que, “nos diplomas legais e regulamentares editados pelo governo que consagrem medidas tendentes à criação, modificação ou extinção de procedimentos ou de formalidades”, sempre que as medidas propostas aumentem os custos financeiros ou de contexto, deve ser apresentada uma proposta de redução de custos equivalente, através de medidas relativas a outros procedimentos administrativos que representem idênticos custos.
O problema é que este princípio, designado entre nós por “comporta regulatória”, nunca chegou a ser operacionalizado: lá continua, na lei, sem nunca ter tido qualquer efeito prático.

Tivemos, mais tarde, o Custa Quanto?, com vista à avaliação prévia de impacto económico legislativo. Trata-se, nos termos em que foi concebido, de um instrumento de apoio à decisão política, procurando promover maior eficiência na intervenção pública e, em particular, a simplificação legislativa e redução dos custos de contexto.

Os relatórios relativos à implementação desta medida em 2017 e 2018 apontam, sem qualquer nota crítica ou sequer explicativa, para um saldo positivo de diplomas com aumento de encargos para as empresas. A partir de 2018, não tenho conhecimento de mais relatórios.

Será que este complexo mecanismo de avaliação de impacto legislativo serve apenas para constatar que os encargos sobre as empresas continuam a aumentar? Não deveria servir, precisamente, para ter consequências sobre o próprio processo de produção legislativa?
Será que o tal princípio da comporta regulatória ficará para sempre inscrito na legislação, como mera declaração de intenções, sem nenhum efeito prático?

Perguntas ingénuas, dirão os mais céticos, mas que deveriam fazer refletir.