por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 07.10.2023

Estou convencido de que a apresentação do Orçamento do Estado, marcada para terça-feira, é um momento solene e importante da democracia e da organização económica do nosso país – mas que a Conta Geral do Estado, que recebe uma infinitésima parte do foco mediático, deveria exigir mais da nossa atenção visto ser o fecho efetivo das contas e intenções prometidas no OE aprovado cerca de um ano antes.

Esta preocupação com a fiscalização dos resultados alcançados e das promessas feitas justifica-se porque há sempre enormes diferenças entre o que se anuncia e o que realmente acontece no país real. Até os acordos assinados, como aquele que a CIP – Confederação Empresarial de Portugal fechou com o Governo e os restantes parceiros sociais a 9 de outubro do ano passado, ficou parcialmente por cumprir: os rendimentos aumentaram até mais do que o estabelecido, mas a produtividade regrediu, o que significa que o acordo foi incumprido. Os empresários fizeram a sua parte, o Governo ficou aquém.

O momento económico que atravessamos já não precisa de grandes interpretações ou adivinhações. Segundo o Banco de Portugal, vamos crescer menos do que o previsto este ano (2,1% do PIB em vez de 2,7%) e, em 2024, o arrefecimento acelerado que se instalou – estamos a um pequeno passo da recessão técnica neste último trimestre do ano -, não chegará para gripar a economia, mas vai trazer novos obstáculos que terão de ser superados com muita determinação pelos empresários. O Governo terá também de dar um salto em frente no OE2024 para evitar a destruição de emprego, o aumento do consumo privado e conseguir que o investimento privado suba; três variáveis em que o Banco de Portugal continua otimista, talvez até demasiado, já que a trajetória parece (parece) sugerir-nos precisamente o contrário. Seja como for, o enfático alerta do BdP foi dado com todas as letras.

Claro, as políticas públicas que darão corpo ao OE serão determinantes para converter o Cabo das Tormentas no Cabo da Boa Esperança. Neste sentido, parece-me evidente a necessidade de fazermos chegar mais rendimentos às pessoas e não apenas sob a forma de salários. O salário, enquanto componente fixa, implica mais produtividade e mais crescimento – o que não está a acontecer e exige medidas e incentivos nesse sentido. Já os rendimentos, pagos enquanto variável ou valor extraordinário, ou seja, como bónus, podem, com esforço e compromisso, ser concretizados em momentos especiais como o que estamos as viver.

Dito de outra forma: faz todo o sentido que haja um pagamento extraordinário para os trabalhadores enfrentarem a situação extraordinária que atravessamos – o tal décimo quinto mês livre de impostos e contribuições. A perda de poder de compra tem de ser combatida e corrigida com urgência, sem que isso faça disparar a massa salarial de base. Aumentar salários sem aumentar a produtividade dá sempre péssimo resultado. Afeta a competitividade do país e prejudica as exportações. Em certo sentido, é a antecâmara de uma crise provocada por um passo maior do que a perna. Temos de evitar esta precipitação e este voluntarismo político. O OE2024 é de vai ou racha. O Governo tem uma escolha: ou dá gás à política económica ou cede à política partidária.