por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 20.02.2021

Quando foram conhecidas as grandes linhas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), em setembro do ano passado, tive ocasião de afirmar, neste espaço, que é fundamental que as empresas estejam no centro da recuperação da economia, como motor do crescimento e da criação de riqueza.

Para isso, seria necessário que os recursos de que vamos dispor fossem alocados para robustecer a economia, nomeadamente através de instrumentos dirigidos à capitalização das empresas e do estímulo a fusões e concentrações.

Tenho insistido, sobretudo, na necessidade de soluções, de natureza financeira e fiscal, que contribuam para que, à medida que se restabelecerem condições de regresso à atividade, as empresas mantenham a sua solidez e a sua capacidade para impulsionar a recuperação.

O reforço de capitais das empresas é, aliás, uma prioridade a nível europeu que, nas primeiras propostas da Comissão Europeia, contava com um instrumento financeiro específico: o Solvency Support Instrument, apresentado como uma componente chave do Plano de Recuperação para a Europa.

Na falta deste instrumento comum, os planos nacionais de recuperação seriam, tudo levaria a crer, uma fonte de financiamento adequada para esta prioridade.

A versão do PRR que foi colocada esta semana em discussão pública falha, no meu entender, precisamente, na escassa prioridade conferida à recapitalização das empresas, refletida quer nas verbas que lhe são alocadas, quer na indefinição quanto às soluções que serão adotadas.

Concretamente, a CIP propôs, logo em abril de 2020, a conversão parcial das garantias associadas às linhas de crédito COVID em incentivo não reembolsável, para as empresas que mantivessem a atividade económica e garantissem a preservação do emprego.

Entre outras medidas apresentadas neste domínio, a CIP propôs, também, a criação de um Fundo de Fundos, com três mil milhões de euros, disponíveis para capitalização de empresas através dos fundos de capital de risco.

Em junho de 2020, o Governo anunciou, no Programa de Estabilização, a criação de um fundo, a ser gerido pelo Banco Português de Fomento, para participação em operações de capitalização de empresas. Oito meses depois, a promessa de atuação neste domínio continua por cumprir. E não é ainda nesta versão do PRR que vislumbramos em que consistirá, na prática, a resposta ao principal obstáculo à recuperação económica e à principal ameaça à resiliência das empresas.

Ainda no que diz respeito à sua dimensão resiliência, o PRR esquece por completo um dos grandes fatores de vulnerabilidade específico do tecido empresarial português: a sua grande fragmentação, que se apresenta como um forte handicap, tanto em termos de capacidade de inovação como de internacionalização e competitividade nos mercados globais. O Plano não prevê nenhuma medida dirigida ao estímulo ao redimensionamento e ao aumento da massa crítica das empresas.

Espero que a consulta pública em curso seja de alguma utilidade para reforçar, no PRR, estas vertentes fundamentais de qualquer estratégia de recuperação.