por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 25.07.2020

Nas 90 longas horas que durou o Conselho Europeu assistimos, mais uma vez, ao pior e ao melhor da Europa.

Vimos líderes que insistem em alimentar, para consumo dos seus eleitores, o preconceito dos virtuosos países do Norte, generosos financiadores de “ajudas” para as enormes dificuldades dos irresponsáveis países do Sul que é preciso vigiar com desconfiança e conduzir ao bom caminho da “frugalidade”.

Assistimos a um braço de ferro, com algum sabor de chantagem, sob a visão mesquinha de uma Europa limitada ao “deve e haver”, como se de um jogo de soma nula se tratasse. Não terá sido por acaso que o acordo foi, afinal, conseguido à custa da atribuição aos países supostamente “frugais” de injustificados abatimentos na sua contribuição para o orçamento europeu.

Mas, assistimos, também, à unanimidade em torno de uma solução inovadora, que permite que, pela primeira vez, a Europa aproveite a força que advém da sua dimensão para emitir dívida de forma centralizada e assim financiar conjuntamente o Plano de Recuperação.

O que terá tornado possível o consenso sobre algo que, apenas há alguns meses, seria inimaginável?

Em primeiro lugar, a dimensão das ameaças de uma crise de proporções históricas: “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”; os tempos são excecionais e exigem medidas excecionais.

Mas creio que esta unanimidade improvável foi construída, também, com base na consciência de todos da interdependência económica dos países europeus, que faz com que a prosperidade de cada um esteja definitivamente ligada à prosperidade de todos os outros. E de que o fracasso de um só contribui para o fracasso de todos.

Foi precisamente esta consciência – que faltou ao Reino Unido, com consequências irreparáveis – que agora prevaleceu sobre preconceitos enraizados e egoísmos coletivos.

A União Europeia criou, assim, condições – não ideais, mas certamente mais favoráveis – para ultrapassar, em comum, um desafio sem precedentes. Fá-lo, dando mais um passo na construção de um projeto iniciado há 70 anos e prosseguido, desde então, num caminho marcado por inúmeras crises, pela construção de difíceis equilíbrios de poder, mas, sobretudo, pela “fusão de interesses” de que falava a Declaração Schuman.

Como afirmei no dia em que foi conhecido o acordo, é necessário, agora, assegurar que os novos fundos são disponibilizados de forma atempada e aplicados eficazmente, de forma a que saiamos deste período de crise reforçados.

No plano nacional, é preciso conceber e aplicar um verdadeiro plano de recuperação que, por um lado, robusteça as empresas, enfraquecidas pelo impacto da crise, e, por outro lado, promova a modernização e reorientação de toda a economia, numa visão de longo prazo, em coerência com as opções estratégicas europeias, mas enfrentando os problemas estruturais que ainda travam o crescimento em Portugal.

Como foi urgente um consenso europeu, também é urgente, agora, um consenso português para a recuperação.