por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Expresso a 29.09.2023

À boleia da inflação, no ano passado o Estado arrecadou mais 6758 milhões de euros em impostos e contribuições sociais do que o previsto no Orçamento do Estado. Chegámos assim a um novo máximo histórico: uma carga fiscal equivalente a 36,2% do PIB. Ainda em 2022, ficaram por executar mais de 1400 milhões de euros de investimento público, face ao orçamentado. A necessidade de recuperar depressa dos efeitos destrutivos causados pela pandemia, mas também a obrigação de ajudar as pessoas e as empresas a enfrentar o surto inflacionista — aconselhava a concretização de políticas públicas em sentido contrário. Exigiam-se decisões robustas, como aconteceu na maioria dos nossos concorrentes e parceiros europeus, para evitar o que hoje já é visível — uma perigosa travagem económica.

Até julho, o comportamento das receitas fiscais e das contribuições manteve a firme trajetória: já está confirmado um aumento de 9,7% face ao mesmo período de 2022, muito acima do previsto no Orçamento do Estado, que projetava um aumento de 2,7%.

Torna-se explícito aos olhos de todos que os reequilíbrios das finanças públicas foram conseguidos à custa dos desvios orçamentais positivos nos impostos e negativos no investimento – precisamente o contrário daquilo que teria sido necessário para desenvolver para uma política orçamental mais favorável ao crescimento económico. As pessoas e as empresas ficaram claramente em segundo plano. O Estado colheu os benefícios e as vantagens do ciclo económico, mas deixou para trás as pessoas, as empresas e, verdade seja dita, as perspetivas do país.

É neste contexto especial que a CIP decidiu dar um passo em frente. De certa forma, assumimos plenamente as nossas responsabilidades. Não bastaria que apresentássemos ideias sobre a reforma tributária inadiável — um pedido que repetimos de ano para ano. Nem exigirmos algumas reformas estruturais capazes de adubar o terreno económico para gerar mais riqueza. As velhas fórmulas, embora sérias, pareceram-nos desta vez insuficientes perante o problema que enfrentamos: a incapacidade para chegar até ao fim do mês que afeta milhares de famílias e também a modesta capacidade competitiva das empresas nacionais face aos concorrentes globais. No segundo trimestre, o crescimento foi nulo (em cadeia). O investimento caiu 0,6% em termos homólogos. As exportações, contraíram 2,3%, em cadeia. A produção industrial também baixou em julho pelo quinto mês consecutivo (em termos homólogos).

O Pacto Social surge precisamente como resposta estruturada e estruturante dos empresários e das empresas a esta crise em progressão acelerada. É preciso agir –  e agir já. É fundamental criarmos as condições para que as pessoas beneficiem em 2024 de medidas extraordinárias de liquidez, isto é, que possam ver entrar na carteira os resultados do seu trabalho numa proporção superior ao que acontece hoje. Neste sentido, depois de cinco meses de trabalho, nos quais estivemos em contacto com os sindicatos que representam os trabalhadores e, mais recentemente, com o Governo, colocamos sobre a mesa um documento apoiado em três pilares (crescimento da Economia, rendimentos dos trabalhadores e simplificação administrativa) e expresso em 30 medidas. O décimo-quinto mês, de pagamento voluntário, isento de IRS e contribuições sociais — até aos 4500 euros brutos — ganhou a proeminência mediática e hoje permanece no centro das atenções. As pessoas querem saber se vai mesmo acontecer, querem saber se podem contar com este dinheiro nas suas vidas.

Temos ouvido as várias opiniões sobre a proposta. Este debate público faz parte do processo. Será a partir desta vontade de construímos juntos um novo ciclo económico que será possível darmos um passo coletivo em frente. O Pacto Social preocupa-se com a urgência de mantermos o talento em Portugal, daí a proposta de isenção do IRS nos primeiros 100 mil euros ganhos pelos jovens profissionais até aos 35 anos. O Pacto Social não afunila as políticas que podem fazer a diferença. Tudo é economia — ou melhor, a economia não resulta apenas de uma adequada política tributária ou de apoios ao crescimento. A habitação é hoje um problema gravíssimo. A saúde pública atingiu o limite da tolerância dos portugueses. As relações burocráticas com o Estado, apesar de alguns avanços, ainda se definem pela lentidão e desconfiança que atrasam ou matam as ideias. A educação — ensino secundário e universitário— persiste numa trajetória à parte da realidade económica e das suas necessidades. A Segurança Social está periclitante.

As empresas assumem a sua responsabilidade. Queremos mudar. Estamos dispostos a mudar. Não o podemos fazer sozinhos. O Governo é fundamental neste processo. Na introdução do Pacto Social defendemos que a independência de uma nação, ainda que com quase 900 anos, não se decreta. Ela constrói-se com ambição e esforço, através do conhecimento, investigação, tecnologia e indústria. E estimula-se através do trabalho árduo e empenhado. Esta exigência será a base da independência de Portugal, permitindo-nos alcançar uma maior justiça: que todos colham mais dos seus esforços, que as desigualdades à partida sejam mais bem corrigidas, que as vidas sejam menos dificultadas e que os mais desfavorecidos tenham mais e melhor ajuda.