por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 08.07.2023

O Orçamento do Estado é, na essência, um exercício que comporta uma descrição detalhada da previsão de receitas e uma autorização de despesas a realizar pelas Administrações Públicas. Contudo, encarar o Orçamento do Estado desta forma limitada, além de redutor, é perigoso, porque olha para os impostos unicamente do ponto de vista financeiro, do Estado, e esquece o impacto dos impostos na economia – ou seja, nas pessoas e nas empresas.

É também uma perspetiva perigosa, porque deixa a carga fiscal à mercê da apetência do Estado por gastar mais e mais ainda. Lembro, a este propósito, o comentário de um conhecido economista do nosso país a propósito do Orçamento do Estado de há já alguns anos: um Orçamento para ser sério teria forçosamente de consagrar um aumento de despesa mais elevado do que o crescimento nominal do PIB. Por outras palavras, o aumento ininterrupto do peso do Estado na economia seria uma fatalidade a que nenhum governo sério poderia escapar.

Neste sentido, seria preciso angariar receita e ela teria de chegar necessariamente pela via dos impostos. Por absurdo, num futuro mais ou menos longínquo, chegaríamos à situação limite em que a totalidade dos rendimentos dos portugueses seria apropriada pelo Estado que, generosamente, providenciaria às necessidades de cada um. Esta poderá ser a utopia de alguns – não é certamente a minha.

Se olharmos para a evolução da carga fiscal sobre a economia em Portugal podemos concluir que a tendência se aproxima, lenta, mas perigosamente, deste absurdo. Em 2022, atingiu 36,4% do PIB, um máximo nunca antes observado no nosso país. Mais do que olhar para o Orçamento do Estado numa perspetiva meramente financeira, devemos, então, encará-lo como instrumento fundamental da política económica, tendo em particular atenção o impacto na forma como as empresas competem, investem e contribuem para o crescimento da riqueza que geram e dos rendimentos que distribuem.

A questão que se coloca é a de optarmos entre pôr a economia ao serviço da fiscalidade ou pôr a fiscalidade ao serviço da economia. Se optarmos pela segunda via, alcançaremos ganhos económicos… mas também ganhos nas finanças públicas. Podemos, então, alimentar a esperança de olhar para o Orçamento do Estado para 2024 como um instrumento de política económica?

Outubro é, portanto, o momento da verdade – o mês em que é apresentado o Orçamento do Estado – e veremos para que lado pende a conta. O longo processo de preparação deste extenso documento já está em marcha. Neste preciso momento, os vários ministérios encontram-se em plena azáfama: estimam despesas, procuraram perceber como vai ser o ano que aí vem e tentam convencer o Ministério das Finanças de como é imprescindível o quinhão que exige para gerir 2024.

A esmagadora maioria dos portugueses passa, no entanto, ao lado deste processo. No dia em que o Orçamento é entregue na Assembleia da República, jornais, rádios e televisões encarregam-se de destacar os principais números e explicar as opções do governo. Contudo, a extensão, a densidade e a própria natureza do documento – isto é, a forma como ele é pensado e concretizado – convertem-se em barreiras que repelem as pessoas da sua leitura e compreensão.

É uma consequência lastimável. Aquilo que deveria ser o ponto mais alto da discussão nacional sobre as políticas públicas, o momento que deveria permitir aos portugueses entender – e avaliar – as escolhas reais do governo e, com isso, calibrar as suas decisões, transforma-se todos os anos num repenicado momento de solenidade e gravitas, mas desprovido do alcance prático que o OE deveria merecer. O facto de os investimentos inscritos ficarem demasiadas vezes por concretizar é outro tiro no porta-aviões. Além de longo e pouco legível, o OE comete ainda o pecado capital de desrespeitar uma parte central dos compromissos que assume tão pomposamente.

Um documento com o impacto do OE tem de ser fiável, tecnicamente robusto e politicamente claro. Os investimentos anunciados servem de bússola – se o Estado diz que vai investir em determinada área, isso tem várias consequências, uma delas a de sinalizar os setores que estrategicamente são prioritários. Esta perceção torna o ano seguinte mais previsível, menos incerto e acrescenta informação útil à tomada de decisões nas empresas. Claro, é também imperioso que os investimentos sejam virtuosos, isto é, que favoreçam as pessoas e a criação de riqueza. O investimento não pode ser um beco sem saída.