por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 29.10.2022
Em matéria orçamental, contamos em Portugal com duas entidades que merecem inteira credibilidade quanto ao rigor e independência das suas análises: o Conselho de Finanças Públicas (CFP) e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República (UTAO). Nas suas apreciações sobre a Proposta de Orçamento do Estado, ambas afirmam que a política orçamental em 2023 será restritiva pró cíclica, apesar do impulso orçamental expansionista conferido pelo PRR. Esta política contribuirá, pois, para ampliar os efeitos da deterioração da atividade económica.
A questão sobre se haveria uma alternativa viável, ou se seria adequada uma postura menos restritiva, é passível de discussão a um outro nível – o da ponderação dos objetivos a que deve responder a política orçamental e das escolhas políticas daí decorrentes.
Deixemos esta questão para outras análises e voltemos a concentrarmo-nos em factos.
Que se perspetiva uma deterioração da atividade económica, não temos qualquer dúvida: basta verificar que a projeção de um crescimento do PIB de 6,5% no cômputo de 2022, no cenário macroeconómico da Proposta de Orçamento do Estado, tem como pressuposto “uma estabilização em cadeia nos dois últimos trimestres do ano”: por outras palavras, estagnação da atividade económica.
Constatamos também que a taxa de crescimento prevista pelo Governo para 2023 – 1,3% – assenta na previsão de um maior dinamismo do investimento. Esta é, contudo, uma assunção arriscada, uma vez que o investimento empresarial será, como o Governo reconhece, impactado pelo aumento da incerteza, pelo aumento dos custos de financiamento e pelas dificuldades relativas aos custos e oferta de materiais e equipamento. Sobretudo, acrescento eu, pela degradação das expectativas.
É aqui que encontramos a principal vertente em que o Orçamento do Estado (não o ideal nem o possível, mas o Orçamento tal como foi desenhado) pode, de facto, contrariar as pressões recessivas que se fazem sentir: o investimento público, recorrendo, nomeadamente, a um importante instrumento – o PRR.
Diz-nos o CFP que está previsto um aumento de 2323 milhões de euros no investimento público face a 2022 (ou seja, 36,9%), sendo que 1266 milhões de euros desse acréscimo decorrem da execução do PRR. Conclui o CFP que parte da dinâmica de aceleração do investimento público assenta na premissa de uma execução mais célere do PRR, que desapontou de forma evidente em 2022.
A UTAO coincide nesta conclusão, dizendo que a previsão agora apresentada está muito ancorada na perspetiva de recuperação na execução do PRR. A este respeito, a UTAO acrescenta que, relativamente às estimativas do Orçamento para 2022, o investimento público foi a única grande rubrica da despesa que registou uma revisão em baixa (de 1000 milhões de euros), em resultado do atraso na implementação do PRR.
Face à coincidência das análises destas duas entidades independentes e credíveis, temos razões de sobra para olhar para a execução do PRR em 2023 com a máxima atenção e exigência.