por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 26.02.2022

O que era impensável há poucos meses, aconteceu, e a invasão russa da Ucrânia deu início a uma guerra na Europa. Ao contrário da ideia muito enraizada de que todos os conflitos militares se devem a interesses económicos mais ou menos obscuros, culpando sempre a ganância das empresas, esta é claramente uma tragédia que tem na base ambições de poder, muito mais do que motivações económicas. Na sua origem está a nostalgia da nomenclatura russa pelo império perdido. A visão de Putin da História, descrevendo o fim da União Soviética como “a maior tragédia geopolítica do século XX”, é reveladora.

A extensão do impacto humano e económico desta loucura está ainda longe de ser conhecida.

No plano militar, o que sabemos, no momento em que escrevo, excede o que eram as perspetivas de há alguns dias. É um ataque em grande escala, em todas as frentes, por terra, mar e ar, com o objetivo de esmagar a soberania da Ucrânia. A NATO garantiu que não intervirá diretamente, resta saber onde está o limite das ambições de Putin.

No plano económico, o impacto do conflito decorre sobretudo da forte dependência europeia relativamente ao gás natural, cuja importância é decisiva diretamente para indústrias e consumidores privados e indiretamente na produção elétrica.

A Europa não se precaveu desta dependência. Nem sequer conseguiu construir um verdadeiro mercado único da energia. Lembro aqui a questão crítica das interligações entre as redes europeias de eletricidade e de gás natural, cuja urgência tem sido insistentemente reclamada. França lamentará agora a sua resistência no aumento das ligações entre o seu território e a Península Ibérica. Seriam uma peça fundamental para a segurança energética da Europa.

Perto de 40% das necessidades de gás na União Europeia são respondidas da Rússia. Esta percentagem sobe a 100% ou perto disso em vários países da Europa Central e Oriental. Na Alemanha, é de 50%. A dependência de Portugal neste aspeto é diminuta, mas os mercados são globais. É ainda uma incógnita até que ponto o fornecimento de gás russo à Europa vai ser afetado, mas é certo que esta situação se repercutirá (está já a repercutir-se) no preço do gás e também do petróleo, agravando a escalada que tem vindo a observar-se. Este aumento de preços reflete-se na eletricidade e de uma forma transversal, inevitavelmente, na inflação.

Não sabemos de que modo irá o Banco Central Europeu reagir a esta situação, o que será decisivo em termos da evolução das taxas de juro. A primeira reação nos mercados da dívida pública foi de queda das taxas de juro, o que prenuncia expectativas de alguma travagem na inversão da postura expansionista da política monetária.

Uma coisa é certa: o impacto da guerra nas empresas e na economia portuguesa será direto, sobretudo pelo aumento dos custos energéticos, e indireto, uma vez que toda a economia europeia será afetada. Não quero especular sobre qual a intensidade destes impactos. Dependerá da evolução do conflito, da sua duração, das sanções económicas a ele associadas. Dependerá também do que suceder no plano dos ciberataques, para os quais temos de nos precaver.

Espero que a Europa saiba responder, unida, a esta catástrofe. Politicamente e economicamente. Em todas as frentes, solidariamente, construindo soluções comuns, com uma coesão ainda superior à que soube construir face à pandemia. Mais uma vez, a união fará a força da Europa.

imperativo para satisfazer as legítimas aspirações dos portugueses. Se houver vontade, realismo e capacidade de diálogo, serão alcançados compromissos e haverá acordo.