por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 01.07.2023

Alguém que não presta atenção às consequências de suas ações merece ser punido da mesma forma que alguém que age com intenção deliberada? Como escrevi na semana passada, a responsabilização é uma parte decisiva de tudo o que interfere na esfera pública. As eleições são o momento capital deste processo. No fim dos mandatos – ou antes, se houver uma crise profunda que antecipe o escrutínio -, os eleitores avaliam genericamente a ação do governo. Decidem se o partido e os líderes devem continuar, se têm de coligar-se para formar uma maioria ou se o melhor mesmo é trocar o elenco e mudar de ares.

O sistema é bom e funciona razoavelmente bem, mas penso que esta responsabilização tem de ganhar mais expressão entre os períodos eleitorais. Um governo pode estar absolutamente convencido de que nacionalizar uma empresa e injetar-lhe centenas de milhões de euros de dinheiro dos contribuintes – repito: não há dinheiro do governo, há dinheiro nosso, dinheiro das pessoas – pode ser a melhor solução naquele momento. No entanto, meses depois começa a ficar claro para todos que a escolha política revelou-se não apenas muitíssimo dispendiosa, mas totalmente errada do ponto de vista do interesse da economia nacional e dos portugueses.

O que deve acontecer nestas circunstâncias em que o prejuízo é grave ou até gravíssimo? O que temos hoje é algum saudável debate político a que se junta, no entanto, uma enorme dose de ruído que se prolonga anos e anos até chegarmos àquele ponto em que as pessoas já quase não querem saber da substância do assunto – consomem apenas os fait-divers -, e apenas os políticos e quem trabalha nesta área parece querer estar envolvido no tema. A TAP é um caso que salta à vista; a Efacec, embora de outra dimensão, é outro, mas há mais assuntos que não envolvem renacionalizações e que também geram perdas e problemas que afetam gravemente comunidades locais ou até o país inteiro.

Além da responsabilidade política, há a responsabilidade penal, que só deve ser acionada quando, de facto, estão em causa consequências que assumem esta dimensão criminal. Se for esse o caso, o tema deve avançar através das instituições apropriadas, mas é fundamental não cometer o erro capital de judicializar a política. Esta separação de áreas é absolutamente fundamental para o bom funcionamento da democracia. A famosa república dos juízes em Itália procurou dar resposta a um problema grave e endémico no país, a corrupção, mas acabou por envenenar a política e a própria justiça.

Chego, então, onde pretendo: governar, tenho-o dito e escrito, é muito difícil, a complexidade é enorme, e é por isso mesmo que me espanta – e até aterroriza – que os governos tomem decisões que impactam fortemente nas nossas vidas sem a devida preparação e sem o devido envolvimento de quem pode colaborar no processo de formação da decisão. São vários os exemplos que eu posso dar: a famosa Agenda do Trabalho Digno não é mais do que uma decisão unilateral do PS, com o governo atrás dos arbustos, que cria sérios embaraços aos trabalhadores e às empresas.

Foi uma decisão tomada sem conversar com a CIP e com os outros parceiros sociais, numa espécie de cegueira ideológica que já está a ter custos e mais terá. Após um acordo escrito, assinado com o governo, que estabelece um aumento dos salários de quase 20% em quatro anos, com um referencial de 5,1% em 2023, a decisão de aumentar, por portaria, note-se!, os salários em 8,1% no setor privado – e não no público…- e ainda mais com efeitos retroativos, parece-me um exemplo de má governação não apenas pela substância da questão mas também por minar o clima de confiança que deve existir entre parceiros sociais com boa fé negocial!

Ora bem, isto é inaceitável, até porque a lista de desastres é longa. O que fazer, então? A ideia é simples: negociar, falar e envolver sempre quem também sabe dos temas que estão sobre a mesa e é diretamente atingido por eles. A decisão final será obviamente do governo, como não podia deixar de ser, mas o processo tem de ser inclusivo. As intenções iniciais até podem ser as melhores, mas de boas intenções com péssimos resultados está o inferno cada vez mais cheio. O erro é barato apenas para quem toma decisões com o dinheiro dos outros.