por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 14.08.2021

A Comissão Europeia propôs, em julho, um extenso pacote de novas iniciativas legislativas visando acelerar a transição da Europa em direção à neutralidade climática.

A 14 propostas, que constituem o chamado pacote “Fit for 55”, têm como objetivo alinhar as principais políticas da União Europeia com o “Green Deal” e, em particular, com a nova meta de redução de 55% das emissões de carbono até 2030, etapa para alcançar a neutralidade climática até 2050. Para tal, a Comissão propõe aumentar o custo do uso de combustíveis poluentes e exigir uma alteração substancial na forma como as pessoas conduzem, isolam as suas casas, produzem produtos e administram as suas florestas e terras.

Aparentemente, tudo isso deverá ser feito de forma complementar e equilibrada, mas as diferentes realidades nacionais e as inevitáveis vicissitudes do sistema e dos procedimentos legislativos levarão a que, por certo, surjam desajustamentos que irão afetar a competitividade da economia europeia no seu conjunto.

Analisemos algumas dessas propostas.

A Comissão Europeia propõe potenciar o sucesso do Sistema Europeu de Comércio de Emissões (CELE), reduzindo o número de licenças emitidas, expandindo o esquema ao transporte marítimo e restringindo os requisitos para a aviação.

A grande preocupação reside, porém, na criação de um novo CELE para os sectores do transporte rodoviário e da construção. Quem irá pagar estas medidas? Será o cidadão comum, com a subida do preço dos combustíveis nas gasolineiras e na conta da eletricidade em suas casas? Como irá o cidadão comum reagir a estas medidas?

Do pacote faz parte também o lançamento de uma nova tarifa de carbono sobre importações poluentes, o chamado Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras.

A Comissão irá tributar as importações de ferro e aço, cimento, alumínio, fertilizantes e eletricidade, agregando-lhes uma tarifa equivalente ao que os produtores europeus pagam sobre as suas emissões de carbono no mercado interno. Se os outros países adotarem medidas semelhantes, as suas empresas não serão atingidas. Simultaneamente, a Comissão pretende reduzir as licenças de emissão concedidas às empresas europeias.

A Comissão alega estar a tentar proteger a indústria de importações mais baratas e mais poluentes; alega, igualmente, estar a incentivar outras economias a descarbonizar a sua produção, pois isso as isentaria do imposto.

Não é fácil, no entanto, o estabelecimento de metodologias eficazes e, naturalmente, haverá a tendência para a abertura de exceções que contribuirão para o desvirtuamento e para a menor eficácia da medida.

Acresce ainda o risco significativo de retaliações e o facto de esta medida não compensar a perda de competitividade da indústria europeia nos mercados externos, para onde exporta, logo, não garantido a priori a eliminação do risco de “fuga de carbono”.

Prevêem-se meses de difíceis negociações. As empresas e as organizações que as representam terão que acompanhar de perto as discussões políticas e salientar os aspetos técnicos que nem sempre são visíveis aos decisores, bem como as ameaças para a sustentabilidade económica da Europa, colocando em risco o equilíbrio social tão almejado.