A CIP – Confederação Empresarial de Portugal está a assistir com enorme preocupação à escalada do aumento dos preços da energia elétrica nos mercados grossistas europeus, designadamente no Mercado Ibérico da Eletricidade. No mês de maio, e em termos de média mensal, Itália e o MIBEL‑Portugal+Espanha aparecem com os valores mais altos. Os países nórdicos, tendo mais hidroeletricidade (efeitos do degelo), apresentaram médias mais baixas. Em França, fez-se sentir o peso da energia nuclear, o que levou a menor recurso às centrais térmicas a carvão e a gás natural.

No MIBEL, e também em Itália, o vento falha muitas vezes em horas críticas do diagrama de carga, não produzindo as renováveis intermitentes o suficiente para equilibrar a produção com o consumo.

Esta situação leva à necessidade de utilização de centrais térmicas para fazer esse equilíbrio, funcionando então tais centrais como central marginal (a última a entrar para fechar o equilíbrio da oferta com a procura), ditando então o preço de fecho do mercado grossista. Esse preço é então influenciado, não só pelo aumento do preço do gás natural, mas também pela escalada do preço da tonelada de CO2 emitido, que passou, em pouco tempo, de 8€ para mais de 55€! Este incremento decorre, também, de movimentos especulativos nos mercados financeiros, sendo o CO2 cada vez mais uma commodity.

A ERSE tinha estimado para o ano 2021 um valor à volta de 50€/MWh, mas os preços spot no MIBEL já ultrapassaram os 90€/MWh.

Ora, acontece que a combinação entre um aumento sustentado do preço da energia (eletricidade e gás natural) e a, até agora,  total ausência de medidas de proteção semelhantes às adotadas noutros Estados-Membros da União Europeia penaliza fortemente a capacidade exportadora da indústria nacional, bem como a sua capacidade de produção para consumo interno, por falta de competitividade relativamente às importações e pode inviabilizar, a curto prazo, a permanência de várias instalações industriais em Portugal a par de um desinvestimento e diminuição da atividade em geral.

Recordamos que não foi o mercado a internalizar o custo da tonelada emitida de CO2 nos custos de produção das centrais térmicas, uma vez que tal resultou de decisões políticas, pelo que o poder político não se pode alhear da escalada do preço do CO2 e da sua componente especulativa atrás referida.

A preocupação em termos de competitividade empresarial não se está a verificar nos sectores económicos mais vulneráveis aos altos custos da energia (que excedem em muito os custos laborais), nomeadamente na indústria em geral e nos setores de bens transacionáveis, em particular. Pelo contrário, em muitos Estados-Membros da União Europeia, a indústria intensiva em energia, eminentemente exportadora, conta com mecanismos de proteção à sua competitividade, como por exemplo:

  • A redução de encargos para consumidores eletrointensivos que nalguns países chega a atingir 80% a 95%. Isto não se aplica em Portugal, onde as Tarifas de Acesso às Redes atingem níveis muito elevados (5 a 10 vezes superiores aos valores aplicados em França ou na Alemanha). Os Custos de Interesse Económico Geral (CIEG), cujo incremento se deve a decisões de política energética onerando todo o sistema elétrico nacional, são em larga medida um dos principais motivos para os elevados custos regulados.
  • A compensação dos custos indiretos das emissões de CO2. Uma parte importante das receitas dos leilões de certificados de emissões reverte para os consumidores de modo a poderem efetuar investimentos na descarbonização da economia. Em Portugal, apesar dos leilões de licenças de CO2 terem mobilizado em 2019 e 2020, respetivamente, 239 e 254 M€, nenhuma percentagem destas verbas reverteu para a indústria nacional. Por exemplo, a Alemanha transferiu para a indústria 546 e 878 M€, o que corresponde a 17,4 e 33% das receitas dos leilões de CO2, obtidas, respetivamente, em 2019 e 2020; e a França transferiu para a indústria 266 e 350 M€, o que corresponde a 37,4 e 48,1% das receitas dos leilões de CO2 obtidas, respetivamente, em 2019 e 2020.

Estas medidas de compensação estão implementadas desde há muito em diversos países, nomeadamente, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Espanha e Itália, com os quais Portugal concorre, e não se aplicam em Portugal. Acontece até que as receitas de CO2 estão a aumentar de forma significativa com a escalada dos preços do mesmo, devendo ser recicladas e revertidas, também, para o sistema elétrico em prol dos consumidores, com vista a minorar-se esta alta de preços.

Acresce outro fator extremamente preocupante, aliás insistentemente referido pela CIP ao Governo. A Comissão Europeia e o Governo querem acabar com a cláusula de interruptibilidade, que abrange significativas unidades industriais altamente intensivas em energia elétrica, cujo perfil de consumo complementado pela cláusula da interruptibilidade tem dado um contributo valioso para otimizar o perfil do diagrama de cargas no quadro da chamada gestão da procura. O Governo pretende fazê-lo, mais uma vez, mas não está a conseguir ter em atenção as medidas já implementadas nos outros Estados-Membros nesta matéria. Será mais um e muito gravoso fator de agravamento da falta de competitividade em relação às empresas dos nossos concorrentes europeus. Temos dificuldade em perceber, do ponto de vista técnico, esta tentativa de acabar com esta cláusula de interruptibilidade. Com efeito, em situações de emergência numa rede elétrica com risco de apagão, há duas formas de gerir a emergência: através da gestão da oferta, reafetando produções e geração entre as partes críticas; pela gestão da procura, deslastrando cargas, o que começará obviamente por todos os consumidores sujeitos ao regime de interruptibilidade. Ora, num sistema elétrico europeu com uma componente crescente de renováveis intermitentes não despacháveis, ou seja, não controladas pelo Gestor da Rede, mas comandadas pela natureza, será fácil de perceber que em situação de crise os Gestores de Rede europeus terão mais dificuldade em implementarem medidas do lado da oferta devido ao crescente peso dessas energias não despacháveis, e mais necessitarão de recorrer à gestão da procura, deslastrando cargas.

Em suma, todas as situações elencadas são tanto mais preocupantes quanto nos outros Estados-Membros os respetivos Governos, beneficiando do beneplácito da Comissão Europeia, têm colocado em prática medidas de apoio extraordinário às suas indústrias para além das que foram acima elencadas, nomeadamente através de subsídios na ordem dos milhares de milhões de euros. A indústria portuguesa vê-se, assim confrontada, com uma tripla penalização:

  1. Não está a beneficiar de políticas de apoio supracitadas que há muito estão implementadas em outros países;
  1. Não está a beneficiar de medidas adicionais comparáveis com os outros países europeus no atual quadro de recessão económica decorrente da crise pandémica, que passam, nomeadamente, por apoios com reembolso total dos investimentos e por isenções fiscais transitórias;
  1. Terá ainda que contribuir nos próximos anos para a amortização da pesada dívida tarifária, que ainda ascende ao valor astronómico de 3.000 milhões de euros.

Impõe-se, portanto, a tomada de medidas em linha com as que estamos a propor, sem prejuízo da evidente necessidade de adaptação das regras atuais do mercado à nova configuração do sistema elétrico.