por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 01.05.2021

Num artigo conjunto que publiquei recentemente com Pierre Gattaz, Presidente da BusinessEurope, alertávamos para o facto de as empresas europeias não poderem absorver mais encargos para além dos que já resultam da atual crise.

A verdade é que, mesmo na presente situação, vemos surgirem continuamente novas obrigações legais que implicam mais custos para as empresas.

A nível nacional, temos, por exemplo, já este ano, a nova Declaração Mensal do Imposto do Selo, onde devem ser reportadas várias operações, mesmo que isentas deste imposto, até ao dia 20 de cada mês. Mais uma obrigação declarativa, portanto, a somar a tantas outras, num país onde a referência do tempo necessário a uma empresa para preparar, declarar e pagar os principais tipos de imposto e contribuições é de 243 horas por ano (a quarta mais elevada da União Europeia).

A nível europeu, a Comissão adotou, na semana passada, uma proposta de diretiva sobre o reporte de informação sobre sustentabilidade empresarial, com novas obrigações para as empresas relativas a divulgação de informação sobre estratégia, metas, papel da administração e da gestão, principais impactos adversos ligados à empresa e à sua cadeia de valor, forma como identificaram as informações que relatam, etc, etc. Além disso, a Comissão pretende alargar o leque de empresas abrangidas por estas obrigações, passando a incluir todas as grandes empresas e mesmo PME (se cotadas em bolsa): cinco vezes mais empresas do que anteriormente.

Espera-se, ainda, para junho, uma proposta de diretiva que virá a introduzir o dever de as empresas identificarem, prevenirem e mitigarem impactos adversos aos direitos humanos, saúde, sociais e ambientais ao longo das suas cadeias de abastecimento.

De acordo o que foi anunciado, muito provavelmente as PME estarão obrigadas a estes deveres de “devida diligência”, esquecendo o legislador que as cadeias de valor onde atuam estão, na maior parte dos casos, totalmente fora do seu controlo.

Enquanto aumenta continuamente todo o pesado fardo de encargos sobre as empresas, a Europa queixa-se da falta de iniciativa empreendedora dos seus jovens e da crescente dificuldade em desenvolver mais empresas líderes em termos mundiais (entre as 40 maiores empresas do mundo apenas cinco são europeias).

Ao mesmo tempo, enunciam-se intenções e princípios que ficam sempre bem nos discursos, mas nunca se levam à prática.

Na sua tomada de posse, a Presidente da Comissão Europeia afirmou que o objetivo da nova Comissão era facilitar a vida das pessoas e das empresas. E prometia que, quando emitisse novas leis e regulamentos, a Comissão Europeia aplicaria o princípio “one-in, one-out”, para reduzir a burocracia. Este princípio (que, aliás, está inscrito na legislação portuguesa sem que alguma vez tenha sido regulamentado e aplicado) requer que, sempre que um diploma legal ou regulamentar aumente os custos suportados pelos agentes económicos, seja apresentada uma proposta de redução de custos equivalente.

Pergunto-me se alguma vez veremos este princípio levado a sério, em Portugal ou na Europa.

Pergunto-me, também, onde está a coerência dos nossos governantes, nacionais e europeus.