“Sem investimento das empresas, não teremos a recuperação do emprego, do produto e das exportações”

Para o ministro que se prepara para operacionalizar, de forma autónoma, fundos comunitários no valor de cerca de 31 mil milhões de euros, não será possível ter sucesso em qualquer estratégia de saída da crise sem o envolvimento das empresas. Em entrevista à Revista Indústria, o Ministro do Planeamento, Nelson de Souza, afirma a importância de apostar no nosso potencial produtivo, melhorando a competitividade da indústria nacional e aumentando a sua capacidade, dando especial atenção à coesão territorial.

 

Portugal vai dispor de mais recursos nos próximos anos do que alguma vez teve na sua história democrática, segundo um membro do atual governo. Esta é a última grande oportunidade para o reforço da competitividade da economia portuguesa e para a convergência com a União Europeia?

Será sem dúvida uma oportunidade única para darmos o salto de crescimento de que necessitamos para colocarmos Portugal no patamar de desenvolvimento que é imprescindível para podermos corresponder às aspirações dos portugueses. Esta é também uma forma de dar aos portugueses uma noção da importância do próximo Quadro Financeiro Plurianual, que traz associado um pacote de ajuda financeira único e inédito, que muito provavelmente nunca se repetirá. Esse pacote de ajuda, o Next Generation, é formado por um conjunto de instrumentos financeiros, cujos valores serão disponibilizados em função da concretização de um Plano de Resiliência e Recuperação assente numa estratégia de grandes reformas que impulsionem o país e que alterem certos paradigmas, de forma equilibrada, mas assertiva.

É preciso contrariar o imobilismo e reagir com audácia aos novos desafios, colocando a inovação e o conhecimento ao serviço dessa estratégia, integrando os novos jovens quadros, que há 10 anos, na última crise, perdemos para a emigração e que agora devem funcionar como os agentes primeiros da mudança. Desta vez, temos menos álibis para não fazer muito melhor. Pelo menos a restrição financeira não poderá ser invocada de modo tão generalizado.

 

Qual a visão estratégica do Governo para a utilização destes recursos?

É uma visão assente no reforço da resiliência, na transição digital e na transição climática. Juntar aos problemas de sempre, e ainda não resolvidos na nossa sociedade e na nossa economia, os problemas focados no futuro, para os resolver de forma integrada. Reforçar a resiliência do país, dando reposta às vulnerabilidades sociais, muitas das quais colocadas mais a descoberto pela pandemia; apostar no nosso potencial produtivo, melhorando a competitividade da indústria nacional e aumentando a sua capacidade, dando especial atenção à coesão territorial. No pilar da transição climática, temos a aposta estratégica na mobilidade sustentável, na descarbonização e economia circular e, finalmente, na eficiência energética e renováveis.

Temos depois o pilar da transição digital, que sustentará uma reforma da Administração Pública, o projeto da escola digital e a adaptação das empresas às novas tecnologias. Temos fundos que serão disponibilizados em três ciclos, tornando a execução desta estratégia ainda mais exigente, se queremos obter resultados: criar mais emprego e mais riqueza, melhorando a vida dos portugueses e a coesão territorial, assegurando a execução plena do financiamento colocado à disposição de Portugal num ciclo de apenas uma década.

 

Disse, anteriormente, que o plano de recuperação da economia portuguesa será centrado no investimento público. Quais serão os principais eixos de investimento? E para os fundos da política de Coesão?

No Plano que estamos a desenhar, e que proximamente apresentaremos à Comissão Europeia, a recuperação da economia não está propriamente centrada no investimento público. Para ser mais exato, diria que o Plano usa o investimento público como o principal motor ou instrumento da recuperação.

Como todos os analistas, especialistas e organizações financeira e económicas internacionais prescrevem na atual conjuntura, os programas de estímulo económico devem assentar no investimento público. Mais que não seja, porque o setor privado não está neste momento em condições de capitalização para o fazer na escala adequada, como é desejável nas atuais circunstâncias.

 

Que papel terá o investimento privado?

O investimento privado terá um papel que lhe pertence em exclusivo e que é vital em qualquer estratégia de recuperação económica. Quer na resposta de curto prazo, quer nas estratégias de transformação estrutural! Sem investimento das empresas, não teremos a recuperação do emprego, do produto e das exportações. E sem estes resultados, seguramente não teremos sucesso em nenhuma estratégia de saída da crise. O que temos de fazer do lado das políticas públicas, do Estado, é adotar medidas de emergência de apoio às empresas para fazer face a tempos de completa anormalidade dos mercados como estamos a viver em tempos de pandemia. Apoiando os investimentos das empresas que conduzam a uma alteração de paradigma mais ajustado ao “novo normal”. E, finalmente, dinamizando os mercados e a procura através de investimentos públicos que, em muitos casos, melhoram a capacidade de resposta da Administração Pública às empresas, reduzindo os custos de contexto. É esta a visão consagrada no Plano de Recuperação e Resiliência relativamente às empresas.

 

Uma das principais críticas das empresas em termos de operacionalização dos fundos europeus tem sido a excessiva carga burocrática. Atendendo a que Portugal terá de operacionalizar cerca de seis mil milhões de euros por ano, o dobro dos fundos que tem gerido nos últimos anos, existem planos para agilizar estes processos?

Já demos provas recentemente de que estamos a agilizar a atribuição dos apoios, reduzindo a carga burocrática de que fala. E aprendemos com esse processo, internalizando procedimentos. Dou-lhe um exemplo: a certidão de não-dívida à Autoridade Tributária ou à Segurança Social. Era necessário entregá-la  em papel; agora é suficiente facultar apenas o código de acesso a essa informação. Outra medida já adotada no Balcão 2020 é o princípio do “only once”, isto é, o promotor não tem de voltar a entregar ou descrever informação anteriormente disponibilizada e ainda válida. Com base neste princípio, quando um promotor apresentar uma candidatura pela segunda vez, o formulário já vem pré-preenchido com toda a informação anteriormente entregue. São exemplos de avanços bem-sucedidos que têm de ser mais reproduzidos e disseminados na globalidade dos processos de gestão do futuro PT 2030.

 

Dados os elevados montantes disponíveis em tão curto espaço de tempo e a oportunidade que este pacote financeiro representa para o país, o Governo equaciona introduzir algum mecanismo que garanta a transparência nos processos de avaliação dos projetos e aplicação dos fundos?

Essa é uma preocupação de todos, tanto do Governo, como dos empresários, como dos portugueses em geral. E deixem-me sublinhar que, mais do que uma preocupação legítima, ela revela-se altamente positiva. Ao contrário do que muitas vezes vejo ser afirmado, Portugal tem executado bem os fundos europeus, com uma taxa de erro auditada dentro dos padrões admissíveis. Mais ainda, o nosso país é reconhecido por isso nos meios comunitários e mesmo no atual quadro levamos uma taxa de execução bastante acima da média da UE. Mas esta performance do passado não deve fazer esmorecer o nosso empenho em criar mecanismos de transparência nos processos de decisão e de controlo dos fundos europeus. Já afirmei a minha intenção de mudar a imagem de “caixa preta” que muitos têm do atual sistema, para um modelo de “paredes de vidro”, que iniba a tentativa de fraude e de corrupção. Trata-se de uma tarefa complexa, que requer ousadia e que está longe de se resumir a propostas de portais com listas editáveis de projetos aprovados, que já desde há anos constituem prática comum na gestão de fundos comunitários.

 

Em entrevista à Revista Indústria em julho, a Comissária Europeia da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, afirmava que “Portugal está perante uma oportunidade absolutamente única de ultrapassar bloqueios, incluindo na Administração Pública”. Concorda? Existem planos neste sentido?

Sim, claro que concordo com essa visão da Comissária. Partilhamos o mesmo prisma nesta matéria e é precisamente por isso que o Plano de Recuperação e Resiliência confere tão grande relevo à capacitação da Administração Pública Portuguesa. Aproveito a oportunidade para sublinhar o excelente contributo que a Comissão Europeia tem dado no âmbito da resposta à COVID-19, através da Política de Coesão conduzida pela Comissária Elisa Ferreira.