por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 05.09.2020
A reindustrialização que defendo não pode ser encarada como uma estratégia antagónica ou alternativa à globalização. Precisa, para se concretizar, de mercados externos abertos e dinâmicos, onde as empresas portuguesas possam provar o seu dinamismo e as suas vantagens competitivas.
O momento é propício a que, mais uma vez, a globalização seja vista como a fonte de todos os males. Os detratores deste processo não hesitam em aproveitar o facto de ter potenciado os efeitos disruptivos da pandemia na economia mundial para justificar a sua diabolização.
É certo que a pandemia gerou um importante alerta para a excessiva rigidez que estava a caracterizar muitas cadeias de valor, bem como para as excessivas dependências criadas em relação a determinados mercados.
É certo que era já um dado adquirido que, sem regras, e sem políticas internas que atraiam novos investimentos e que ajudem os trabalhadores a desenvolver novas competências, a globalização, que antes acreditávamos ser imparável, encerra em si mesma as sementes da sua própria destruição.
Tal como, a nível nacional, o funcionamento dos mercados requer uma regulação que os proteja de abusos e comportamentos anti-concorrenciais, também a globalização, nas suas diversas vertentes, necessita de ser orientada por regras. Importa, a este respeito, realçar a importância de uma firme e eficaz defesa contra práticas comerciais desleais de países terceiros, defesa esta que não deve ser confundida com protecionismo.
É certo, também, que se tornou (ainda) mais evidente que precisamos, na Europa e em Portugal, de uma estratégia capaz de assegurar o relançamento de uma base industrial renovada, mais forte e mais resiliente. Uma base industrial que deve – sobretudo em setores vitais – evitar as dependências excessivas que se tornaram, agora, bem visíveis, mas que não poderá deixar de estar inserida em cadeias de valor globais.
Olhando para o passado, podemos ver, na erosão da base industrial portuguesa, a marca da falta de regulação da globalização, mas vemos também, seguramente, os efeitos de um modelo de crescimento baseado na procura interna, incompatível com a dimensão do nosso mercado doméstico, e que virou costas às oportunidades oferecidas pela mesma globalização.
A reindustrialização que defendo não pode ser encarada como uma estratégia antagónica ou alternativa à globalização. Precisa, para se concretizar, de mercados externos abertos e dinâmicos, onde as empresas portuguesas possam provar o seu dinamismo e as suas vantagens competitivas.
Nem um só país logrou vencer a pobreza através do seu isolamento em relação ao resto do mundo. Pelo contrário, os casos de sucesso de países que conseguiram ultrapassar situações de subdesenvolvimento e proporcionam hoje aos seus povos elevados níveis de prosperidade mostram-nos bem a importância de uma plena integração na economia mundial.
Continuemos, pois, a ver na globalização uma enorme fonte de oportunidades de progresso material e humano, controlando-a, protegendo-a de excessos e perversões, mas recusando, sempre, a fatalidade do protecionismo.