por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 24.04.2021

Uma transição gradual das atuais medidas de emergência para políticas de estímulo ao crescimento: este é o primeiro termo da equação que o Programa de Estabilidade (PE) nos traz para a política orçamental dos próximos anos. Segue-se o segundo termo da equação: não perdendo de vista a necessidade de retomar uma trajetória de finanças públicas sustentáveis a médio prazo.

A gradual redução do défice é, sem dúvida, uma orientação prudente, justificada não só pela importância, em si mesma, da sustentabilidade das finanças públicas, como por um enquadramento europeu pouco claro, de suspensão temporária de regras que serão reativadas em moldes ainda desconhecidos.

É no primeiro termo da equação que este programa me suscita mais dúvidas e reservas quanto à coerência entre as (boas) intenções e a prática.

Por um lado, nada é dito sobre o modo e o ritmo como os apoios transitórios ao emprego e à economia irão ser desmantelados.

Por outro lado, afirma-se que a recuperação económica será “alicerçada no investimento público e em medidas de relançamento da economia”.

Quanto ao investimento público, prevê-se um aumento do seu peso no PIB de 2,2% do PIB em 2020 para 2,6% do PIB em 2021.

Ora, 2,6% é exatamente o mesmo valor que estava previsto, para 2021, no PE de 2018 e pouco mais do que os 2,5% previstos, também 2021, no PE de 2019.

É, pois, legítimo perguntar, onde está, em 2021, o esforço adicional de investimento que o relançamento da economia exige e os apoios europeus vieram permitir. De facto, só a partir de 2022 é visível uma maior ambição quanto ao investimento público, relativamente ao que constava da estratégia orçamental pré-crise.

Quanto a medidas de relançamento da economia, a informação que consta do PE limita-se praticamente às referências ao Plano de Recuperação Resiliência que, dos 16,6 mil milhões de euros totais, destina 5 mil milhões (30%) ao apoio direto às empresas.

Reconheço aqui, pela positiva, a maior atenção dada ao financiamento e capitalização das empresas, nomeadamente através do Banco Português de Fomento: promessas reafirmadas que é preciso concretizar com urgência.

Relativamente à política fiscal, esta importante vertente da estratégia orçamental continua a não ser acionada no estímulo à economia. Depois de, em 2020, a carga fiscal ter atingido um novo máximo histórico, garante-se, no próximo ano, “a estabilidade fiscal ao nível dos principais impostos”. Apenas no próximo ano, apenas ao nível dos principais impostos: o compromisso é curto e deixa margem para inquietação. Não será a melhor maneira de suscitar um ambiente de confiança e previsibilidade nas empresas.

Em suma, este Programa de Estabilidade parece confiar numa dinâmica recuperação que surgirá, como que automaticamente, à medida em que as medidas restritivas de atividades e mobilidade forem levantadas. Não basta. Se a recuperação exige investimento e capacidade de resposta das empresas, a estratégia de política económica deveria ser consequente. Continuo, pois, a insistir que é preciso mais e melhor, para que, no rescaldo desta crise, as empresas não só tenham resistido, mas estejam em condições para impulsionar a recuperação.