por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 11.07.2020

Level playing field é uma expressão inglesa que, nos últimos tempos, vemos com cada vez mais frequência no vocabulário da União Europeia. Podemos traduzi-lo como “condições equitativas da concorrência”. É, por isso, um conceito que (com esta ou outras terminologias) está na base de todo o processo de integração económica na Europa, como contrapartida à progressiva eliminação de barreiras à livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais.

Este é, presentemente, o principal ponto de bloqueio nas negociações com vista a um acordo com o Reino Unido. O lado britânico admite já a possibilidade de adotar o “modelo australiano”, um novo eufemismo para o “no deal”, já que a Austrália não possui um acordo de comércio global com a União Europeia (apenas acordos limitados para alguns produtos específicos). Do lado europeu, a defesa do level playing field é vista como argumento suficiente para fazer soçobrar todos os esforços para evitar uma rutura que, reconhecidamente, prejudicará severamente tanto a economia britânica como europeia.

O level playing field é também a preocupação que está na base do conjunto de medidas recentemente propostas pela Comissão Europeia para prevenir distorções na concorrência causadas por subsídios de países terceiros a empresas que operem no mercado único e que lhes possam conferir vantagens desleais ou que facilitem a aquisição de empresas europeias.

No entanto, a principal ameaça ao mercado único é interna.

A Comissão Europeia flexibilizou as regras relativas aos auxílios de Estado, como medida de emergência, de modo a não dificultar as respostas nacionais ao impacto económico da pandemia. Acontece que, como a própria Comissão Europeia já reconheceu, a capacidade financeira dos Estados-Membros para conceder apoios às respetivas empresas é tão díspar que põe em causa a integridade do mercado único. Basta ver que mais de metade de todos os auxílios de Estado já aprovados em Bruxelas desde o início da crise foram apresentados por um único país: a Alemanha.

É preciso que, de uma situação de “cada um por si”, passemos rapidamente a uma intervenção forte e coordenada a nível europeu, permitindo a plena aplicação de uma política de concorrência que previna abusos e proteja eficazmente o level playing field no seio do mercado único. Por isso é tão importante, quanto antes, um acordo sobre o Plano de Recuperação para a Europa.

Mesmo que o acordo seja rapidamente alcançado, abrindo caminho a uma resposta mais robusta e coordenada em todos os Estados-membros, não tenho ilusões que essa resposta será sempre assimétrica.

Esta é uma das razões do recente apelo da CIP para que, a nível nacional, o Governo avance com medidas rápidas, simples, suficientes e que cheguem rapidamente ao terreno, em particular para a capitalização das empresas e para um apoio eficaz aos seguros de crédito, que, para já, é manifestamente insuficiente para a exportação e completamente ausente para o mercado nacional.

A urgência é grande porque, enquanto esperamos pelo tão falado level playing field e por planos de recuperação, as empresas vão chegando ao limite da sua capacidade de resistência.