por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 27.11.2021

Há muitos anos que nos habituámos, na Europa, nos Estados Unidos e em muitos outros países, a viver com baixas taxas de inflação. O problema passou, inclusivamente, a ser o do risco de deflação, combatido por políticas monetárias expansionistas que trouxeram as taxas de juro para níveis historicamente baixos.

Tanto o sucesso, no passado, na estabilização dos preços, como o papel que mais recentemente desempenhou na crise das dívidas soberanas e na resposta imediata à presente crise fizeram que o Banco Central Europeu passasse a ser visto como uma irredutível ilha de credibilidade entre as instituições europeias.

Com a preocupação pela inflação a regressar à atualidade do debate económico, esta credibilidade volta a ser posta à prova.

Na área do euro, a taxa de inflação foi, em outubro, de 4,1% e na Alemanha atingiu 4,6% (um máximo de 30 anos). Em Portugal, também tem subido, embora esteja ainda em 1,8%.

Muitos, inclusive no nosso país, defendem que é tempo de inverter o caráter expansionista da política monetária na Europa. Na Alemanha, as vozes contrárias aos estímulos monetários promovidos pelo BCE fazem-se sentir de forma cada vez mais forte e encontram eco numa opinião pública tradicionalmente sensível aos perigos da inflação.

Sob a liderança de Christine Lagarde, o BCE resiste a estas pressões com argumentos de peso:

Em primeiro lugar, afirmando que o seu alvo são as expectativas de médio e longo prazo e que os fatores que estão na base do atual aumento dos preços são temporários e se desvanecerão ao longo de 2022.

Em segundo lugar, constatando que a política monetária é impotente para combater esses mesmos fatores, seja a escalada de preços da energia (fixados globalmente), sejam os estrangulamentos no fornecimento de matérias-primas ou nos transportes marítimos.

Assim, tem sido reiterado que os estímulos monetários não serão retirados prematuramente, sob pena de comprometer a recuperação.

De facto, um endurecimento da política do BCE teria como consequência o aumento das taxas de juro, gerando um obstáculo adicional para a recuperação da atividade económica, sobretudo em economias altamente endividadas, como a portuguesa.

Não podemos ignorar que os consensos no seio do BCE a este respeito serão tanto mais difíceis quanto mais tempo se prolongar a subida nos preços da energia, de matérias-primas e de produtos intermédios. Não podemos desprezar o risco destas pressões sobre o nível geral de preços se repercutirem em aumentos salariais que alimentem uma inflação com um caráter mais estrutural e duradouro. O BCE não poderia ignorar, nesse cenário, as expectativas dos agentes económicos.

Esta é mais uma razão para que, em Portugal, se encare seriamente o problema dos elevados níveis de endividamento das empresas, que as tornam particularmente vulneráveis aos efeitos de eventuais aumentos das taxas de juro. Aumentos que, mais tarde ou mais cedo, mais ou menos fortes, serão inevitáveis. É preciso que os instrumentos de estímulo à capitalização das empresas, há muito prometidos, cheguem urgentemente ao terreno.