por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 04.06.2022

A semana trouxe-nos más notícias no que se refere à inflação: em maio, aumentou para 8% e é já a taxa mais elevada desde fevereiro de 1993. Se excluirmos os bens energéticos e os produtos alimentares não transformados – os mais afetados diretamente pelo impacto da guerra na Ucrânia – a taxa de inflação aumentou para 5,6%. Se igualamos, agora, a taxa de inflação da área do euro, ultrapassamo-la ao excluir estes bens.

Isto significa, conforme o Banco de Portugal vinha já a alertar, que a aceleração da taxa de inflação já não se restringe às componentes com preços mais voláteis, tendo contagiado as componentes estáveis. Por outras palavras, a inflação está a alastrar à generalidade dos preços de bens e serviços, tomando características mais estruturais e mais difíceis de dominar.

Estes dados significam, também, que as projeções para a inflação no cômputo deste ano estão claramente desatualizadas. Se, por hipótese, todos os preços congelassem no nível registado em maio, a inflação média em 2022 seria de 6,7%. É certo que a subida dos preços, mês a mês, se atenuou de 2,5% em março para 2,2% em abril e agora para 1%. Podemos mesmo admitir que, dentro de algum tempo, haja alguma correção em baixa. No entanto, será praticamente impossível que as projeções de 4% (do Banco de Portugal e do cenário macroeconómico do Orçamento do Estado) ou de 4,4% (da Comissão Europeia) não sejam ultrapassadas.

É evidente que o problema não é exclusivamente português, e ouço cada vez mais críticas ao facto de o Banco Central Europeu (BCE) não inverter de forma drástica a sua política monetária para combater a inflação. Não creio que fosse a melhor opção: as pressões inflacionistas continuam a vir do lado da oferta e não da procura. Assim, desde que não alastre dos preços para os salários, a política monetária permanece largamente impotente para controlar a inflação. O endurecimento teria mais efeitos recessivos do que sucesso na estabilidade de preços.

Mesmo assim, os sinais dados pelo BCE já estão a ter repercussões nos mercados: a taxa de juro da dívida portuguesa a 10 anos está acima de 2,4% e a Euribor a 12 meses subiu para um máximo desde 2014.

Ainda sem o efeito de um aumento dos juros, a inflação está já a provocar efeitos recessivos, uma vez que corrói o rendimento real e o poder de compra dos consumidores, com inevitável retração do consumo privado.

Do lado das empresas, os sinais não são animadores, com nova queda da produção industrial em abril; particularmente forte nos bens de investimento, o que não augura nada de bom para o futuro. Resta o esforço, do lado do governo, para conter o aumento dos preços. Em Portugal, a resposta tem estado, mais uma vez, aquém do necessário.

O governo afirma que a situação está em permanente avaliação, abrindo a possibilidade de mais medidas para mitigar os efeitos da inflação, mas não avança nada em concreto. Entretanto, quanto mais a inflação se vai distanciando das previsões, mais folga o Orçamento ganha, com as receitas fiscais (nomeadamente do IVA) a aumentarem previsivelmente mais do que a despesa. Porquê esperar mais tempo?