por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 05.08.2023

Todos reconhecemos que a fiscalidade é um elemento constitutivo do Estado. Apesar deste ponto de partida, existem muitos movimentos que se opõem e contestam a carga fiscal, muitas vezes com razão. Combatem-nos ferozmente apontando o que dizem ser desmandos, erros e abusos de poder. Alguns fazem deste ataque o âmago da sua proposta partidária – pela positiva ou pela negativa. Quem não se lembra do autodenominado partido do contribuinte? Quem não conhece o famigerado imposto Mortágua?

As diferentes formas de resistência à tributação refletem muitas vezes a oposição à legitimidade da tributação, considerada arbitrária e desprovida de sentido. Naturalmente, o sentimento crescente de injustiça favorece a inaceitável evasão fiscal.

Para que os contribuintes aceitem a tributação como uma justa participação da vida em comunidade é fundamental, no entanto, que os governos credibilizem aquilo que podemos chamar de fiscalidade contributiva. Sem estes esforço público e político de legitimação – séria, transparente e permanente – o edifício comum continuará a ruir pedaço a pedaço, como temos visto acontecer. Em vez de um grande edifício, esta degradação levará (pode levar) a que vivamos numa espécie de condomínios fechados, cada vez mais deslaçados, incoerentes e indiferentes.

Reparem, o ceticismo fiscal, maior ou menor, do contribuinte pode ser explicado pelo seu natural interesse económico pessoal, pela sua tendência ou escolha ideológica e também pelo facto de os seus conhecimentos fiscais não serem profundos. Aliás, quanto mais a máquina tributária se complica e densifica, mais se torna incompreensível e, por isso, genericamente menos aceite. A rejeição torna-se, assim, o ponto de refúgio de um número cada vez mais alargado de pessoas. A adesão a esta espécie de negacionismo fiscal passa quase até a ser socialmente aceite. O tipo espertalhaço que burla a Autoridade Tributária é tantas vezes recebido como um herói, não como alguém que comete um crime que a todos penaliza. Em vez de opróbrio, recebe hossanas.

Os cidadãos são, no entanto, capazes de altruísmo: há provas empíricas de que muitas pessoas estão dispostas a pagar impostos suplementares para programas que consideram importantes. A escolha que podemos fazer no IRS atribuindo uma pequena percentagem do nosso, digamos, pecúlio anual a uma entidade que exerce uma função socialmente relevante – por exemplo, um hospital, um lar… – é a prova cabal disto mesmo. Alguns cidadãos são a favor de um imposto sobre os combustíveis por razões éticas, apesar de utilizarem automóveis.
Contrariamente à teoria da ilusão fiscal, segundo a qual os eleitores subestimam o nível de tributação necessário para satisfazer a sua exigência de serviços públicos, estudos mostram que os indivíduos nem sempre exigem mais despesas e menos impostos, e que as suas expectativas não são ilógicas. Os cidadãos sabem que o seu nível de exigência de serviços públicos pode ser financiado por diversos meios: impostos, redução de desperdícios, reafetação de dotações, subvenções de outras coletividades, tarifação dos serviços, entre outros.

Por conseguinte, não julgo que exista uma espécie de aversão geral aos impostos, que muitos julgam inerente à natureza humana. Os impostos são legítimos porque os cidadãos exigem serviços públicos. Estamos de acordo. Contudo, a aceitação das imposições fiscais pressupõe que elas sejam proporcionais e transparentes. Não é um trabalho de cima para baixo, é uma construção democrática (coletiva, portanto) que pede a colaboração de todos. Sem isso, o que é justo corre o risco de tornar-se inaceitável.