por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 16.04.2022

Para compreender a Proposta de Orçamento do Estado apresentada à Assembleia da República, interessa, como ponto de partida, atender ao que mudou entre outubro do ano passado e este mês de abril:

  • Temos um novo governo, do mesmo partido, com o mesmo primeiro-ministro e maior margem de manobra política.
  • Temos também maior margem de manobra financeira, decorrente da execução orçamental de 2021, entretanto apurada. Mais receita (911 milhões) e menos despesa (2279 milhões) do que o que era projetado em outubro levaram a que o défice tenha ficado em 2,8% do PIB, quando se esperavam 4,3%.
  • Temos uma guerra na Europa, com tremendo impacto sobre os custos das empresas. Este impacto está a travar a recuperação económica e já impulsionou a inflação para máximos desde 1994. Corremos sérios riscos de regresso à estagflação.

Neste cenário profundamente alterado, o que mudou nesta proposta de OE face à rejeitada pelo Parlamento em outubro?

Em termos de medidas, temos um pacote de “mitigação do choque geopolítico” que implica um esforço orçamental de 1125 milhões de euros. Vai no sentido adequado, mas com uma intensidade muito reduzida face ao exponencial aumento de custos que as empresas estão a sofrer.

Quanto a medidas de caráter mais estrutural, a proposta é semelhante à que foi rejeitada em outubro, merecendo os mesmos comentários que então expressei: revela pouca ambição no estímulo à recuperação económica, que se mostra tímido e excessivamente limitado à utilização das verbas do PRR. Para além das medidas no quadro desse programa, o único instrumento de estímulo ao investimento empresarial é o Incentivo Fiscal à Recuperação, cujo custo estimado se limitará a 150 milhões de euros e que vem carregado de obrigatoriedades.

Já em termos dos grandes números que espelham a orientação da política orçamental, há mudanças significativas:

  • Em outubro, previa-se um défice de 3,2% do PIB; em abril, prevê-se 1,9%.
  • Previa-se uma carga fiscal sobre a economia de 34,3% do PIB; em abril, prevê-se 35,2% – mais 2266 milhões de euros de impostos e contribuições efetivas para a segurança social do que projetado em outubro. É certo que 35,2% é menos do que o máximo histórico de 35,6% atingido em 2021, mas ano após ano verifica-se, apuradas as contas, que a carga fiscal aumenta, frustrando-se as perspetivas de uma inversão desta tendência.
  • A despesa pública total mantém-se praticamente inalterada: mais 125 milhões de euros, apenas.

Isto significa que a margem de manobra ganha pela execução orçamental de 2021 reverte, quase na totalidade, em benefício da maior ambição no reequilíbrio das finanças públicas. Em contrapartida, enfrentamos mais uma vez uma crise de grandes proporções com uma resposta orçamental insuficiente e previsivelmente mais fraca do que a dos nossos concorrentes.

Embora reconhecendo a importância da redução da dívida e da sustentabilidade das finanças públicas, é caso para repetir: há mais vida para além do défice.